Crônica a pedido de São Francisco
Diz, proverbialmente, o imaginário popular que ninguém é rico, ao se contentar com o que tem. Ele quer sempre mais. Mesmo depois de adquirir fortuna, além das suas posses, sente-se como se estivesse no início da sua riqueza. Despreza os mealheiros de barro, sejam potes ou porquinhos, para usar cofres de ferro, aderir aos bancos e ser senhor do mercado financeiro. Quanto mais ganha, menos satisfaz à ganância. Contudo, pobre não é sempre pobre porque se contente em ser pobre, mesmo se ele decidiu que lhe basta o que lhe dê o suficiente para bem viver e garantir, em todos os sentidos, o sustento da família.
Geralmente, as oportunidades dos pobres, economicamente, subtraem-se por uma privilegiada minoria, bem mais esperta e rápida do que todos os que, por ventura, queiram enveredar num estágio mais acima da pirâmide social. Ou que assuma a opção de que dinheiro não dá felicidade e sim a convicção e a vivência de que é melhor ser do que ter. Acontece quem, convencido pela violência simbólica ou pelas novelas da vida, tensione todas as forças para subir ou ascender degraus, de modo mais fácil, abruptamente, ou até tomar violentamente o que é do outro; levar, sorrateira ou furtivamente, o que é público, do povo.
Contudo, jamais alguém poderá ser chamado de rico, sem ter tido ganância; e quanto mais cresce tal sentimento ou desejo, mais ele se torna uma ambição desmedida, vontade incômoda, inquietação infeliz, como se sofresse uma ameaça constante de assalto ao seu tesouro, em confronto à sua vontade nunca satisfeita, que se configura como o múltiplo do ganho. Viver, geralmente, numa “pobreza franciscana” não significa conviver com um estado de miséria, mas ter saúde, alimentar-se e morar, nos parâmetros de feliz dignidade humana; liberto da ideia de ganho, até quando for lícito. Coisa de santo, de quem passa pelo buraco de uma agulha, até se for mais grosso do que um camelo. Ninguém é obrigado a isso, mas ao se sujeitar a esse princípio mais do que cristão, por si só, santifica-se, bem-aventura-se, alcança louros dos céus, ao se fazer protótipo de uma conduta respeitável, num mundo de tantos horrores em relação aos fatores do sexo, do poder e da concupiscência.
Nas minhas reflexões, após o Curso de Filosofia e durante o de Direito, cheguei à inédita conclusão, até hoje mais do que comprovada, de que não há crime sem algum desses três fatores. Apenas o terceiro é pronunciado vulgarmente como dinheiro, superestimado por expressões como : “o dinheiro é a mola do mundo”; “quem manda em tudo é o dinheiro” e a corruptora insinuação de que “cada um tem o seu preço”. Retornando ao início da crônica, ocorre a existência do não ganancioso rico, por herança, como foi Francisco de Assis, de família abastada, rica na região italiana da Úmbria, cidade nas vizinhanças de Peruggia e de Gubbio. Em posse de muito dinheiro, a tendência e a consonância com a educação familiar dificultam o espírito de pobreza. Em princípio, o mandamento da desvairada ambição aos gananciosos não “é dando que se recebe”, mas , certamente, é ganhando que se tem… Uns escolhem estratégias ilícitas de corrupção, como a de enganar ou explorar os outros, a de furar fila, a de surripiar os bens públicos. O escrito pode ser considerado “fora de época”, mas sinto a confiança de que nunca deixará de ser mais do que atual, sobretudo por ter sido inspirado no exemplo do santo daquelas bandas pelusianas, como também se fosse um pedido do próprio São Francisco.
Damião Ramos Cavalcanti