Pular para o conteúdo

CORDEL “ÁGUA PRA COMER.” (Dunga Junior)

Numa conversa em Curitiba, na noite do dia 24/03/22, tive a honra de partilhar uma noite dessas que guardarei na lembrança que é portadora do HD da vida, ao meu lado esquerdo Rafael, João e Gilberto, na minha frente Bruno, Gustavo e Laryssa no meu lado direito.
Falamos do mundo real, sobre a natureza das coisas e na dureza dos dias, ouvi com muita esperança no amanhã a mente jovem e sã e falamos dos momentos idos, na peleja das horas, os poetas em trovas expressaram seus ditos em por outros escritos, lembrei do cordel água de beber que escrevi em 2008 quando da luta pela transposição das águas do rio São Francisco para a sede do povo saciar.
Trago hoje aos meus leitores nesse domingo e em especial aos que estavam da roda da conversa de Curitiba, o que muito rendeu esse cordel nos tempos de lá:
CORDEL “ÁGUA PRA COMER.” ATUALIZADO 06 DE ABRIL 2013
A vida me reservou coragem
Muita força pra vencer
Em casa ta faltando tudo
Letras, roupas e que comer
Me falta até água
… Água doce, água de beber
Como se não bastasse
A seca que todo ano vem
Ta chegando num agouro danado
Nessas terras de gente de bem
Amedrontando, chorando e matando
Eita, é seca de vidas também
O cenário vai logo mudando
Mato, menino e mulher
Das quenturas do sol causticante
É preparar pro que der e vier
Homens tens as faces queimadas
Desse jeito não arrasta pé
Bicho morrendo pelas estradas
Um cemitério traçando o caminho
Em grupo, bando ou sozinho
As carcaças são encontradas
Bode, boi, jumento, asa branca
Sentimentos de almas penadas
Chega a hora de minha mesa
Olho em volta o que servir
Nos olhos pidonhos da fome
Minha palavra não pode engolir
Não tem pão nem vinho
Só água, é o prato a servir
Bem cedo pulei a fome
Quando não tentei acordar
No almoço perdi o tempo
A barriga tentando driblar
É chegada a hora da ceia
Só a água pra fome matar
É um prato de água coada
Resto lama de barreiro seco
Muito turva faz sentir o gosto
Da lama que mistura o resto
É a refeição que tenho agora
Na mesa posta coração aberto
Quando o barreiro seca
Vem logo aperreação
Se findou a última gota
Da chuva última de meu sertão
Agora só noutro inverno
Posso encher o meu matulão
A chuva quando escassa
Traz miséria desolação
Sofrimento e desgraça
Causa engano e desengano
Sabendo ainda que todo ano
Tem uns tempo de sofridão
Os meninos crescem as barrigas
Mudam de cor enrolam os cabelos
Entristecem mudam as faces
Já me deu foi desespero
Calo a voz emudeço o canto
Não correm dorme mais cedo
E agora seu Doutor
Roubar ainda não me atrai
Quero comida mesma que seja água
Pois ela hidrata e satisfaz
Será água limpa em meu pote
Que me faz vida e paz
Faltando comida dói
Faltando água dói muito mais
Sinto que tô meio desanimado
Tenho que correr atrás
Poço até morrer de fome
Mas de sede humilha mais
Venho novamente suplicar
Num grito velho roncador
Quero água do São Francisco
É muito pouco só um veio
Pra que este canto de muito tempo
Dê um fim a essa dor
Todo querendo é pra beber
Que no meu prato é refeição
Tem muita gente precisando
Água pra muitas situação
Tem que ser pra toda vida
Aqui água também é comida é pão
Num careço ser mais usado
Por politiquice indecente
Caminhão pipa só irriga
O voto do mais carente
Trocar água por voto
Pro sofrer de muita gente
No cantar meu cariri
Um clamor se faz ouvir
É a seca que já assola
Voltou forte sem chuva cair
Traz a fome muita sede
Fazendo gente fugir
É de novo a terra ardente
Que pra nós já é missão
Se do céu não vem a chuva
Não vou julgar judiação
Pois se noutro rio ela sobra
É só fazer logo a ligação
Liga a água daquele rio
Para o rio que água não tem
Mata logo a minha sede
D’agua doce que desse vem
Vou rezar, orar fazer preces
São Francisco digo amém
Essa água que deságua
Vai correndo até o mar
Eu só quero um pouco só um caneco
Presta água nos salvar
Tenho sede d’água doce
Que pro mar ai se salgar
Essa água do São Francisco
Muitas vidas vai salvar
Vidas de homens Severino
Retirantes desse Lugar
Que chegando a água doce
Quer de novo seu natural
Quando aqui a água tem
Os meninos brincam então
A estiagem é por uns tempos
Já tem estudos com precisão
Agora é hora de se ater
As necessidades e solução
Esses modelos de interligação de águas
De acabar com sequidão
Já deu certo em outros lugar
Onde ha coragem e decisão
Dona Presidente lhe peço agora
Toque a obra com mais razão
Agradecemos aos auxílios
Que aparecem na ocasião
Cestas básicas, bolsas, carros pipas
Politicagem da região
Vamos acabar com essa brincadeiras
Com o povo, gente, nossos irmãos,
Aos irmãos nordestinos
Todos em prece e oração
Dividir a água que sobra
Pra matar a sede de nós
É repartir um pão com a sede
Pois será pão pra todos vós
Quero viver sem retirar
De minha gente meu lugar
Noutras terras pode ter
Agua boa até sobrar
Fico vivendo por aqui
Pois aqui é meu morar.
Dunga Jr.
De Um dia de domingo 27/03/22