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Chico do Carimbo e o jornal ( Thomas Bruno Oliveira

 

Chico do Carimbo e o jornal

 

Calçada de Chico do Carimbo, ao fundo, antiga Fábrica Marques de Almeida

LOGO QUANDO SOUBE da partida de Chico do Carimbo, fui ao seu escritório, na antiga Rua do Esfola Bode, hoje Rua Coronel José André, na tentativa de saber o que tinha ocorrido. Isso está perto de um mês e os meninos que por ali trabalham me confirmaram a triste notícia. Seu filho não estava.

 

Antes da pandemia, sempre que me dirigia para resolver alguma coisa no centro, tentava primeiro estacionar por ali aos cuidados de Deda, daí passava na calçada dele, sempre o cumprimentava e seguia meu caminho. Certa vez, vendo o Jornal A União dobrado envolvendo minha agenda, pediu para ver, cheirou e balbuciou: ­– Hoje tudo é diferente. No meu tempo… Foi quando me confidenciou alguns de seus antigos trabalhos. Disse com orgulho que desde jovem “lutou” nas oficinas tipográficas do Jornal da Paraíba e também do Diário da Borborema, quando me revelou alguns detalhes de como era o universo laboral em jornais há décadas, descortinando um passado muito interessante sobre aquele mister em uma história que estava tão marcada em sua mente quanto o perfume da tinta impressa naquela edição diária.

Seu filho Oberlan

Eu me escoro na parede enquanto a tarde vai caindo lentamente, ele do jeito que estava encostado na mala de um veículo, ficou. Naquele momento lembrei a ele que meu primeiro carimbo, há mais de vinte anos, foi feito em sua loja e que eu ainda tenho em casa. “É, já fiz muitos pra seu pai também, é meu amigo”. Não deixava esconder uma tosse/pigarro, talvez oriunda daqueles tempos em que ninguém tinha a verdadeira noção de equipamento de proteção individual e as pesadas tintas, o chumbo, além do cigarro, tornavam-se nocivas a esses trabalhadores.

 

Montagem de tipos da antiga Gráfica Municipal da PMCG (extinta)

Interessante ver como a oficina, o trabalho, é parte central de sua vida. Nada ele deixa de fazer relação com a atividade que exercia. A íntima impressão/observação da cidade também se faz presente em sua fala, quer seja na descrição dos lugares em que trabalhou ou mesmo a relação com detalhes de vida como o nascimento de um filho, etc.

 

Naquela íngreme calçada, ele (e também eu) era “atrapalhado” pela saudação dos amigos que passavam. Foi quando me contou algo que lhe era corriqueiro naqueles tempos de tipógrafo-compositor. Nas madrugadas, depois de chegadas as últimas matérias datilografadas, ele ia compor o jornal. Cada página era um verdadeiro mapa aonde as letras uma a uma iam formando as palavras que eram perfiladas em linhas e colunas até estar todo o jornal pronto. E como os tipos eram banhados em tinta para a impressão no papel, a composição das letras era invertida, espelhada, dificultando ainda mais o processo. Certo dia, um repórter policial foi à sua procura afim de reclamar com relação a um título de matéria que havia sido impresso diferente do que tinha sido escrito. Naquele momento, tentei fazer com que lembrasse, que conseguisse puxar de sua longeva memória, no afã de em uma boa pesquisa de arquivo encontrar esse exemplar de jornal; ele disse que era algo mais ou menos assim: “Fulana (parece que era vereadora) morre em acidente automobilístico a caminho de Queimadas”, mas não cabia! Completou Chico. Na hora deixei assim: “Vereadora morre em acidente”, ficou melhor, menor e coube direitinho na coluna. “É que as vezes eles tinham dificuldade em fazer título (risos)”.

 

O cotidiano de um jornal, de sua redação às oficinas de impressão, mudou bastante ao longo dos anos. Do tipo ao offset, da composição tipográfica à diagramação em software, da máquina datilógrafa ao computador (e hoje os smartfones hiper-funcionais); da escuta em rádio, do tradutor de telegrama e radiotelegrafia – como muito bem lembrou o amigo Gonzaga Rodrigues em sua crônica quarta-feira passada, relembrando seus tempos de copista em redação – da leitura dos jornais concorrentes e os de fora e também a busca na internet e nas malas diretas das agências de notícia, do disquete à nuvem. Quer seja no interior da movimentada redação ou na solidão do home office, tudo tem mudado muito e depressa. Atento a cada palavra, já entendia que não havia mais tempo para resolver mais nada do que precisara, as luzes dos postes acendiam uma a uma, a tarde se despedia e a lua cheia aparecia com todo o esplendor na direção do Teatro Municipal. Esse encontro não foi em vão e me senti afortunado com um testemunho histórico tão rico.

 

Chico em evento social – Instagram Ubiratan Cirne

Precisando entrar para atender um cliente que acabara de chegar, nos despedimos e combinamos de continuar a conversa, dessa vez em um lugar menos movimentado e com meu amigo memorialista José Edmilson Rodrigues, levando à frente as inúmeras entrevistas que já fizemos para projetos de memória e resgate de aspectos históricos de Campina Grande. Mas, infelizmente, o encontro não teve como acontecer. O medo da pandemia se alastrou, tolhendo-nos impiedosamente, reprimindo pare sempre momentos e conversas únicas como essa com o saudoso Francisco Ferreira de Freitas, o velho Chico do Carimbo.

 

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Publicado na coluna ‘Crônica em destaque’ no Jornal A União de 5 de março de 2022.