Em pouco tempo chegará o carnaval do ano que vem, ou de 2026; não se sabe se devido à velocidade do tempo ou ao acúmulo das nossas ocupações; ou que isso seja um fenômeno do próprio carnaval. Mas, a sensação é de que, antigamente, mesmo acontecendo a cada ano, geralmente apenas em três dias em fevereiro, o carnaval demorava mais a chegar, mesmo ocorrendo um ano de intervalo. Ou até esquecido, em razão da distância do tempo que, em tudo, é o que existe de mais influente, sobretudo quando se espera um carnaval sem surpresas e máscaras.
No carnaval nenhuma novidade, a humanidade sempre teve suas grandes festas coletivas. O próprio Noé, verifica-se na Bíblia, em ocasiões festivas como se fossem carnaval, exagerou no vinho e desnudou-se, depois de embriagado. Recoberto pelo filho, com um lençol, terminou por castigá-lo, alegando que apenas estava fora da sua consciência… Baco (Dionísio), considerado deus do vinho e filho de Júpiter, conquistou a Índia acompanhado de homens e mulheres, tendo como armas de guerra apenas tambores, para, sem parar, beber e dançar. Suas festas escandalosas se acompanhavam de ninfas, sátiros, pastores, pastoras, sem contar, claro, com as Bacantes – suas sacerdotisas, daí ” bacanais “, hoje, nas festas orgíacas. Contam que, nesse contexto, Baco teria fundado a primeira escola de música. Também era chamado de Liber (Livre), em orgias incontroláveis de vinho, liberando instintos e fazendo esquecer o bom senso, resultando em “nada proibido”… Do seu nome “Livre” surgem as “festas liberais”; sendo o carnaval a maior delas. Também é dito que, condenado por Juno à loucura, Baco andou vagando pelo mundo, espalhando carnavais.
Há dias que, por aqui, os tamborins andam esquentando, graças a cultura afro modificando o carnaval que nos trouxeram os portugueses. E por já, no Rio de Janeiro, as mulatas descerão o morro, lindas, torneadas, mostrando seus corpos reluzentes à luz do sol ou à luz dos refletores. Enveredarão pela avenida, cantando o samba-enredo, contorcionando-se nos mistérios dos sons e dos seus músculos, como sacerdotisas de um culto sagrado, sensual e misterioso, revelando o segredo de um aprendizado somente ensinado pela influência afrodescendente, pelo gosto à nossa música e pelo ritmo do que é nosso: O samba.
Muitas terão os corpos recobertos de purpurina, não para esconderem algum pudor envelhecido pelo tempo, mas para aguçarem instintos, ansiosos pelas novas fronteiras da sensualidade. Virarão estrelas naquele “céu”. E talvez brilharão nas noites de solidão ou no lazer dos homens apaixonados, nos amores da vida – estágios necessários à fantasia existencial. Nas circunstâncias do carnaval, e num intenso calor, justifica-se o enxerimento: “Vou beijar-te agora \ Não me leve a mal \ Hoje é carnaval (…).”
No final, haverá algum Pierrô ao amor de alguma Colombina. Pausa para tirar máscaras, eflúvios, lágrimas, sorrisos, e também mentiras sobre o amor. Depois virão as cinzas; o silêncio das ruas; as olheiras; o despertar do que restou. Algumas deslembranças, também saudades, e talvez arrependimentos com a derradeira explicação de que valeu a pena esperar o ano inteiro o carnaval, aparando amarguras da vida, no tempo sem fim, que vai se extinguindo. Num lugar qualquer ou num bar de calçada, talvez alguém se apresente: Engraçado, acho que te conheço! Ou, talvez tirando as máscaras, confessem: – Já vivi assim outros carnavais…