Talvez chegue a morrer escrevendo sobre o bredo, esse matinho que muitos acham insignificativo, mas constantemente marcante na minha vida. Coisa, de coisas simples. Desde os tempos da minha infância, ele espontaneamente surgia, ornamentando as poças d’água, no quintal da minha casa, sítio que se servia de caminho às cacimbas, espalhadas às margens do rio Paraíba, onde pegava admiráveis e grandes pitus, para confiná-los numa bacia de lavar rosto ou escondê-los num tanque de água azul escura, dificultando tio Didi fritá-los como tira-gosto das suas bicadas. O que fazer? O tio era autoridade maior em casa, depois do meu pai e da minha mãe, irmão predileto de ‘seu’ Inácio, que também muito apreciava esse camarão interiorano, da água doce; o pater familiae também gostava muito do bredo, prato colocado à mesa para todas as idades.
Bredo vem do grego, blíton. Os romanos latinizaram tal palavra para blitum, e os portugueses trouxeram para cá, até bater em Pilar, chamando-o de bredo, originário da Europa, como o seu similar, o espinafre, vem da Ásia. Comi dos dois, mas esse segundo sempre teve um gosto amargo, preferia sempre o nosso, o bredo, muito mais perto de mim, do nosso mato, dando singelas flores a qualquer jardim; prato da minha infância, verdura da minha cozinha, da minha mesa, culinária da minha mãe Lia que, religiosamente, fazia-nos comer essa delícia e a peixada ao molho de coco, sobretudo na sexta-feira santa, com o tradicional feijão de coco. Fazia parte desse ritual colher o bredo no sítio ou no quintal, destacar suas folhas, para serem escaldadas, retirando -lhes o visgo. Em seguida, sei como se fosse hoje, reservava-as numa grande peneira para Dona Lia refogá-las no azeite já com cebola e alho picado, com três tomates maduros, sal e pimenta do reino a gosto. Para concluir, tudo era aferventado, durante dez minutos, em três xícaras de leite de coco, espremido na mão ou torcido num pano branco (liquidificador da época), o que dá maior sabor de coco ao molho. Por fim, uma pintada de sal e um bocadinho de coentro picado, esse saboroso basilico brasiliano. Tudo levado ao lume, durante dez minutos para ser servido de bom grado.
Irrita-me observar que, neste nosso Nordeste, quanto ao custo isso não seja um prato popular e, quanto ao requintado sabor, não esteja nas requintadas mesas. Ora, o bredo é primo pobre do espinafre, ambos da família das amarantáceas e atualmente encontrado em muitos estados brasileiros como uma planta subespontânea, colhida até acerca das construções abandonadas, às margens das estradas, nos pátios das fazendas ou à beira dos açudes. Nunca vi ninguém plantando ou fazendo cultura do bredo, infelizmente. Já o espinafre chega, enlatado, às prateleiras dos supermercados. Sua propaganda vem de longe, cultivado nos USA, conhecido nas revistas em quadrinho dos meus tempos de menino, em que Popeye ingeria uma lata de espinafre para se tornar, de repente, um “super marinheiro”, contra o marujo Brutus, para reconquistar, graças ao espinafre, a enamorada Olivia Palito. Insisto: bem melhor é o bredo, cujas folhas são riquíssimas em cálcio, em fósforo e ferro, além de apreciável quantidade de vitaminas C e B. Cem gramas de bredo equivalem a 42 calorias. Por que nas casas mais simples ou nos luxuosos restaurantes, encontramos facilmente espinafre, e nunca o bredo com feijão moído ao molho de coco? Defendo as coisas nossas, nossas riquezas minerais, nossos valores culturais e a nossa gostosíssima culinária. Ainda vou morrer escrevendo sobre o bredo…