Pular para o conteúdo

Borborema Cangaço em Cabaceiras-PB

Thomas Bruno Oliveira

Mesa de abertura

A ÚLTIMA VEZ em que fui a Cabaceiras tem aproximadamente um ano e tomei a velha estrada que sai de Queimadas passando por Boqueirão, a cidade das águas. Na última sexta-feira (27/9), tive a graciosa oportunidade de voltar ao meu Mundo-Sertão. Fui a Cabaceiras, nos Cariris Velhos da Parahyba, para participar do I Encontro Borborema Cangaço da Juventude e o III Encontro do Conselho Cristino Pimentel do Borborema Cangaço. Era um pouco mais de 18h quando partimos de minha casa. Acompanhei o amigo Julierme Nascimento e sua amada esposa Marileide, além do meu confrade e amigo historiador e artista plástico Chicão do Cariri. Finalmente a noite da sexta chegou e com ela uma animação toma conta dos viventes pulsando seus corações. Por onde a gente passava, era um “sassaricado danado”. Bares e restaurantes já abrindo, trânsito em intensa pressa. Do canal de Bodocongó, passando por parte da Floriano Peixoto e a boca do Cariri ao longo da estrada de Catolé de Boa Vista, era visível o sentimento e a alegria incomum nos outros dias da semana. Afinal: sextou!

 
 
Marco Di Aurélio, Julierme, João de Sousa, o autor, Chicão do Cariri e Paulinho de Cabaceiras – TB

Pois bem, rumamos um caminho bem diferente do habitual, isso porque na saída de Boa Vista, a estrada que passa defronte a bentonit, com inúmeros caminhões de frete esperando para receber suas cargas, foi asfaltada até a entrada de Cabaceiras, um benefício enorme para o acesso à Roliúde Nordestina que tem desenvolvido a passos consistentes o turismo rural, de experiência sem contar o turismo cinematográfico. Engraçado que a noite esconde e em momentos é terreno fértil para o mistério. Foi passar do Sítio Lucas, já começamos a falar da Cruz do Gavião e em visagens que tivemos. Enquanto isso, Paulinho de Cabaceiras mandava mensagens de áudio para saber o porquê de nossa demora em chegar. Ele foi um dos anfitriões do evento que ocorreu no sábado e no domingo.

 
Com as netas de Antônio Silvino Quitéria e Kátia Morais – TB

Nossa ida na sexta, além de ultimar alguns detalhes, muitos dos participantes, ávidos por sentir o clima caririzeiro e desejosos em amanhecer o dia na cidade cenário, chegaram já na sexta-feira. Tranquila, bucólica, bem iluminada e vestida de festa, assim estava Cabaceiras naquela noite de primavera. É envolto nessa aura que nos juntamos a Paulinho de Cabaceiras, Marco Di Aurélio, João de Sousa vindo de Paulo Afonso-BA, as netas de Antônio Silvino Quitéria Morais e Kátia Morais, José e Detinha Tavares diretamente de Pombal dentre outros. Na pizzaria Borda de Ouro podemos nos deleitar em um cardápio com comidas batizadas com temas do município (eu comi o sanduíche ‘Roliúde Nordestina’) e podemos alimentar nossa fome de conhecimento através dos relatos das netas do “Rilfle de Ouro” e dos escritores presentes, parecia que o evento tinha sido iniciado ali. Quando o amigo Julierme – inspirado pelo Rifle de Ouro – saca uma pasta com uma série de impressos, fontes que utilizou para sua pesquisa e algumas extremamente raras. Foi uma espécie avant-première do que veríamos no dia seguinte.

 

Logo após o bate papo, fomos visitar o acervo de Paulinho de Cabaceiras composto de obras raras sobre o Cariri e um conjunto de insígnias, imagens e artefatos antigos, vários deles comprovadamente históricos como um telefone de mesa que foi do Palácio do Catete, marcas de ferrar de famílias ancestrais do Cariri, etc. Além de artigos de família, um relicário sentimental com documentos e objetos interessantes. Antes de se encaminhar a pousada Shalon – onde fomos muito bem recebidos por Dona Margarete – fizemos um passeio por alguns prédios históricos, desde o largo da famosa igreja do Alto da Compadecida, às construções da Av. Quatro de Junho (e a antiga residência dos pais do João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, que empresta seu nome à capital da Parahyba) todos bem conservados, coloridos e bem iluminados. Noite amena e de merecido descanso.

 

Parte do acervo de Paulinho de Cabaceiras – TB

 

Aspectos arquitetônicos da antiga Villa Federal de Cabaceiras – TB

 

Na manhã do sábado, um a um iam chegando os integrantes do Borborema Cangaço e demais convidados. Daniel Duarte, Bismarck Martins, Célia, Angélica Costa, João Paulo Miranda, Vandilo Brito, João Piancó, Júnior Almeida, Pedrinho, Thonny Gomes, Célia Cangaceira, as Bacamarteiras do Congo e muitos outros que puderam sentir o calor humano do evento e a quentura tão característica dessas terras, isso já na calçada do confortável auditório Abdias Aires de Queiroz vizinho a bem estruturada escola municipal Maria Neuly Dourado. Entre abraços e sorrisos, passo a vista nos livros à venda e na arte mágica de Chicão que transforma galhos retorcidos em belas peças decorativas, além das pinturas de André Nunes que da mistura de pigmentos retrata em tela a Pedra de Santo Antônio lá de Fagundes-PB, sua terra natal.

 
Filarmônica Nossa Senhora da Conceição

De início, o maestro Reinaldo Florêncio Cordeiro regeu a Filarmônica Nossa Sra. da Conceição que tocou os hinos Nacional e de Cabaceiras além da música contagiante tema do Alto da Compadecida, enchendo de harmonia o ambiente, parte da plateia não segurou as canelas e ensaiou alguns passos, sobretudo o balançado de João Grilo ressuscitando. Estive na mesa de abertura representando o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano – IHGP de onde acompanhei a palestra de Paulinho de Cabaceiras sobre os coiteiros de Antônio Silvino na Vila Federal de Cabaceiras, logo após, Marco Di Aurélio nos brindou com a força da imagem e uma série de imagens da arquitetura interiorana com uma simbologia interpretada como judia. Em seguida fomos para a calçada ver o espetáculo do grupo Bacamarteiro(a)s do Congo. De repente os tiros cheios, parecendo bombas, ecoavam cidade a fora, e logo atraiu alguns populares. Em tempos de guerra no Oriente Médio, na Ucrânia e na África, temi que os moradores ficassem com medo dos estampidos, que a cidade estava sendo invadida. Pena que a rádio Cabaceiras FM por algum problema técnico estava fora do ar, pois eu cogitei ir e entrar no ar não só acalmando a população como também convidando a subir no outeiro e ver o espetáculo, além de participar do evento. Alguns dos confrades mais corajosos deram os tiros, eu fiquei na minha só registrando. Prof. Daniel Duarte não só gostou como encomendou um bacamarte a um artesão.

 

Alguns retratos do primeiro dia

 

De volta ao conforto do auditório, o amigo e escritor Bismarck Martins fez um tratado sobre o cangaceirismo no nordeste, uma aula que poderia levar um dia inteiro. O amigo José Tavares e João de Sousa, trataram também sobre o cangaço e nos presentearam com riquíssimas histórias. Angélica Costa, Célia Cangaceira trouxeram poesia e leveza, Vandilo Brito surpreendeu e resumiu o evento brilhantemente em verso,  poesia que fechou o primeiro dia com louvor. Da calçada do auditório, construído em um alto nas bordas da cidade, podemos contemplar o horizonte. Finzinho de tarde, o sol se pondo de um lado e nos arredores as luzes tímidas de postes denunciavam como pirilampos as habitações rurais, cercadas pela Serra da Aldeia, da Fontainha e outros serrotes que dão sinuosidade a bucólica paisagem.

 

A noite, fomos atraídos ao movimento da Rua Quatro de Junho. Uma denominação evangélica ensaiava um culto enquanto um grupo político de oposição passava de um lado e o de situação do outro lado, lembrando que esse sábado é o último fim de semana antes das eleições. Zoada, algazarra, som, motos com seus “abençoados” canos, cor e gente se misturavam. Ali, o restaurante Aconchego nos abraçou e garantiu um jantar delicioso com o que temos de genuíno nos Cariris Velhos, ‘arrumadinho’ feito com feijão verde, cuscuz, charque e queijo, além de uma piabinha de um açude ali de perto. Dividimos mesa com parte da equipe da série ‘Cangaço Novo’ que estava em temporada de gravação envolvendo sempre uma série de atores locais que figuram nessas produções. José Alfeu, que fez o personagem ‘Preto Velho’ na telenovela ‘Onde nascem os fortes’ esteve conosco e em conversa comigo falou do cotidiano desses personagens locais, observei atentamente a geração de emprego e renda oriunda desse mister.

 

Museu Histórico e Cultural e prédio da antiga Cadeia – TB

 

No domingo, após o saboroso café de Dona Margarete com bolo de milho, cuscuz, ovo de capoeira, queijo, café, suco de umbu e outras delícias, saímos para visitar o Museu Histórico e Cultural de Cabaceiras, acervo muito rico com preciosidades locais. Saindo dele, fomos ao prédio vizinho, justamente a construção da antiga cadeia que foi incendiada por Antônio Silvino provavelmente em 1899. Me lembrei das palavras de meu querido Daniel Duarte: “Eu vi o velho Balduíno Lélis com um mourão em suas mãos com sinais de queima, muito provavelmente desse incêndio…”.

 
Defronte a Igreja de Nossa Senhora da Conceição – TB

Em seguida, nos dirigimos a Igreja Nossa Senhora da Conceição que já estava repleta de fiéis esperando o início da missa. Por sorte, encontramos o Padre, uma figura bem humorada, magnífica, que nos abençoou com sua simpatia. Ali, ao lado, fomos conhecer a antiga Casa de Caridade Pe. Ibiapina e todo o seu acervo cultural. Devemos a sua organização ao amigo Pe. João Jorge Rietveld, ex-pároco, benfeitor de nosso Cariri. Após conhecer esse monumento à piedade cristã, nos dirigimos para o distrito de Ribeira para conhecer o casarão de Benvenuto de Sousa Varjão, suposto coiteiro de Antônio Silvino. Ainda na Ribeira, fomos bem recebidos pelo confrade Carlos José que de pronto encomendou almoço para os visitantes em dois restaurantes do lugar. No casarão antigo, de tijolos sem reboco, repleto de “torneiras” (orifícios utilizados para defesa que possibilitavam a visão e o acesso do cano de uma arma). Tudo ali é passível de reflexão e o período do cangaço foi, realmente, repleto de nuances históricas.

 

Museu Ibiapina, antiga Casa de Caridade – TB

 
Casarão de Benvenuto Varjão

Pelo horário, não foi possível visitar o curtume, retornamos ao centro da Ribeira para a visita além da visita a Arteza e sua infinidade de artigos de couro. Dali víamos os participantes ganhando o terreiro, conhecendo os lugares, pegando uma sombra no restaurante do Mano onde Seu José Alfeu (o Preto Velho) foi homenageado com honra ao mérito cultural do Borborema Cangaço. Detalhe que no dia anterior tivemos alguns homenageados, inclusive o Manoel de Júlio Preto sempre ultrajado de cangaceiro, figura ímpar da cidade, de simpatia singular. Almoçar na Ribeira foi uma forma de vivenciar a pureza de uma localidade que buscou seu lugar ao sol em suas reminiscências e o trato com o couro foi basilar em tudo isso. Fruto disso é que muitos de seus filhos que fugiram da seca retornaram pelas oportunidades.

 

Com alegria em meio a uma energia tão boa, nos despedimos dos confrades e confreiras e pudemos ver de dia um caminho sinuoso e bonito da volta agradecendo ao divino e a gostosa sensação de dever cumprido. Viva o Borborema Cangaço, bastião dessas terras no que concerne a história do cangaço. Ansioso para o próximo evento que tenho a absoluta certeza também será coberto de êxito.

 

Leia, curta, comente e compartilhe com quem você mais gosta!