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Blog do Vavá da Luz

A BELA VENDEDORA DE FRUTAS ( MARCOS SOUTO MAIOR (*)

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Entrei numa comprida rua estreita que parecia não ter fim, de muito pouco movimento, com antigos sobrados pintados de cores fortes diversas e, no único andar superior, se destacava um balcão simples de madeira, coberto por telhas cerâmicas e tomado por ramos de buganvíleas que desciam fogosas até embaixo, nas calçadas, mais se parecendo com um manto puxado pelo vermelho vivo das flores e o verde dos seus galhos de sustentação! Bem mais longe, em meio ao verdadeiro jardim encantado, me fez fechar mais os olhos para chamar especial atenção a uma mulher de pele preta, com postura esguia e uma escultural altura. Mais de perto, vi que vestia roupa comprida até os pés, deixando o decote lhe mostrar os ombros cor de jambo maduro e roxo, emoldurado por um colar encarnado bem vivo descendo pelo colo, até se encobrir com o babado escarlate que lhe cobriam os seios com muito pudor.

Na medida em que a mulher seguia se aproximando de mim, vi que as faixas do vestido solto no seu corpo destacavam-se começando pela larga tira vermelha em torno dos tornozelos. Em seguida, passou pelo azul cristalino da cor do mar e, já na altura do baixo ventre, imperava o amarelo ouro até os limites do babado ondulante.      

Troquei, vagarosamente, de uma calçada para outra e os olhares foram o necessário para dizer um tímido alô, tendo como resposta o puro espanhol de um hola amigável, com inevitáveis e múltiplos sorrisos… Olhei fixo para o rosto de Júlia, uma jovem da cidade de Cartagena, Colômbia, que trabalha com frutas de época do seu país, levando em sua cabeça para vender, uma bacia cheia com mamão, abacaxi, banana, laranja, manga e melancia. Na sua terra é conhecida por palenquera ou, em português, vendedora de frutas. Antes que ela derrubasse os produtos de venda, me adiantei e ergui os braços para descer as delícias frutíferas ao solo. O sol causticante subiu aos céus e novas trocas de olhares com sorrisos e simpatia aconteceram, tendo me decidido por não comprar algumas das peças, que no meu Brasil também tem à vontade. Preferi perguntar à Júlia se gostaria de posar para uma fotografia em plena rua estreita. De imediato levantou à cabeça confirmando e, ato contínuo, levantou as peças do seu trabalho à cabeça, esticando o braço esquerdo e levantando a ponta da bainha de sua original fantasia de trabalho, estendendo a sua mão direita para que encenássemos uns poucos passos abertos de tradicional dança. 

De volta ao meu Brasil, esqueci-me de pedir licença para entrar em seu terreno, ao imortal Gabriel García Márquez, onde escrevera brilhantes romances mundo a fora, a exemplo de “O amor nos tempos de cólera”, “Outono do Patriarca”, “Memória de Minhas Putas Tristes” e “Cem Anos de Solidão”. Com apenas um livro editado com crônicas, “O Velocípede Verde”, me encolho para pedir escusas póstumas ao mestre e sua terra querida reprisando seu texto: “Quem sabe Deus quisera que conheças muita gente enganada antes que conheças a pessoa adequada para que no fim a conheças, saiba estar agradecido.”

E Júlia deverá ter ficado satisfatoriamente agradecida com as nossas conversas e danças!

(*) Advogado e desembargador aposentado