As águas do Rio Sanhauá fazem bem às muriçocas e agradam sobretudo aos maruins que, mesmo menores, aperreiam muito mais com suas picadas. Miudinhos, silenciosos, sem algum zumbido, alastram-se de Bayeux à Praia do Jacaré. As muriçocas, zumbindo ou caladas, voaram em bando, passando pela Lagoa, pras bandas de Miramar. E lá se instalaram, como tivessem encontrado seu habitat; protegeram-se dos inseticidas e, depois de tantos carnavais, chupando o sangue dos seresteiros e das seresteiras, nas noites de luar, entraram nas suas veias e aprenderam a bailar pelas ruas, entre namoradas e namorados, com boêmias e boêmios, tornaram-se, sem distinção, com hino e estandarte, o Bloco das Muriçocas, “de que tanto tem se ocupado a imprensa”.
Das multidões enfurnadas em sua pequena Praça, foliões começaram, de ladeira abaixo, a tomar caminho para o mar. Depois de caminharem distâncias, de vencerem passos e tropeços, decidiram não enfrentar as salgadas ondas e subiram a ladeira de volta ao seu bairro, como aquelas estreitas ruas de Miramar fossem a sua casa. O “ninguém se perde na volta”, de José Américo, também vale às muriçocas; mesmo elas tendo aguçado faro que descobre, de longe e na escuridão, qualquer pele nua, especialmente a das delicadas pernas das bailarinas, brilhosas, coloridas, cheirosas, fazendo do Bloco, naquela circunstância, “O Grande Circo Místico”, do poeta Jorge de Lima, fantasiado, recitando a admiração e o prazer da plateia foliã “bisar coxas, bisar seios, bisar sovacos” (…).
O tempo muda os homens e as mulheres ou são esses que fazem o tempo mudar e, nele, suas músicas e suas danças? Mudam inclusive os seus espaços e suas alegrias. O Bloco das Muriçocas está desejando voltar às origens; a valorizar os papangus, as la ursas e os passos do samba e do frevo sem correria, sem espalhafates nas alegorias, num carnaval mais carnaval, que produza menos despesas e desperte mais alegria do que medo. Aliás, sobre aqueles que não se alegram e não param para dançar “muito pouco se tem ocupado a imprensa”.