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Blog do Vavá da Luz

Ana e Augusto (I) ) Thomas Bruno Oliveira)

Ana e Augusto (I)

 

A bodega e o bodegueiro Sítio São João (BlogdoCasusa)

Zé Maneco era um homem de posses, mas não era só isso. Agitador político e um líder de vasto território na zona rural, tinha seu escritório-observatório na sua sortida bodega que repousava à sombra de grandes cajueiros no caminho entre a zona urbana e o distrito de Serrinha. Ali ele recebia os moradores de todas as propriedades vizinhas. Alegre, inteligente e até certo ponto bondoso, tinha a afeição da comunidade. Se vinha passando um matuto carregando muita coisa, pedia a Juca, seu pequeno ajudante, que o ajudasse levando a carga com o carro de mão. Toda sexta-feira, até o meio-dia, secava uma de suas ancoretas de cachaça brejeira servindo-a de graça a trabalhadores rurais que já tinham naquele dia sua folga. Assim, sua popularidade era disputada por políticos da cidade tanto dos “cobras” quanto dos “lagartos”, verdadeiras agremiações assim denominadas há mais de século.

 

Morava na sede da fazenda, um casarão há oito quilômetros dali, uma construção tão antiga com parte em pedra que remonta as primeiras levas colonizadoras naqueles rincões. Porém, a sua vida na mercearia o fez construir uma casa ao lado, tão confortável quanto a sede e ali passava quase todo seu tempo. Num certo dia, Zé Maneco precisou ir à cidade e deixou sua filha de dezesseis anos tomando conta do balcão, despachando o que necessário fosse, algo corriqueiro. Não naquele dia. Chega um homem vivido, pele atrigueirada, olhos castanhos bem claros, roupa grossa e cheia de cintos e bolsos. Veio em uma mula acompanhado de cinco jumentos repletos de carga, todos no terreiro. O homem entra e pergunta pelo seu pai: – Ana, seu pai está? Trouxe uma boa carga de rapaduras do brejo e outras coisas mais. – Não está moço, foi na cidade, mas não se demora. – Pois ponha uma lapada de cachaça e me dê duas piabinhas salgadas, pode ser crua mesmo! E assim foi feito. O vendedor nunca havia reparado o quanto Ana estava uma moça, e bonita. Com pouca conversa, ele a encanta. Vai embora, mas sem antes dizer que um dia ainda vão viver juntos. Ela suspira por semanas até ele ir à sua escola na hora da saída. No caminho de volta, a ruína de uma velha casa de farinha é a testemunha e leito de um amor voraz, intenso, marcante.

 

Dias depois, o vendedor passa na bodega. Conversa com Zé e troca olhares com Ana por um cortinado nos fundos e nunca mais voltou. Nos primeiros sinais de gravidez, Ana conta a sua mãe e, sem ter como esconder os enjoos, Zé Maneco pergunta se foi o filho do vereador Francisco que deflorou sua filha, aprontando a espingarda e ameaçando ir à cidade, até que aos gritos a mãe revela como as coisas se sucederam. Naquela mesma tarde, a pobre Ana foi expulsa de casa. Uma pequena trouxa de roupas, um pouco de dinheiro e uma carta feita por sua mãe para freiras de uma casa de caridade em um município distante, onde Ana ficou até ter o bebê e fugir sem jamais ter contato com seus pais.

 

Muitos anos se passaram e o garotinho chamado Augusto foi adotado por uma viúva e com ela morou em Recife, um a única companhia do outro. Na capital pernambucana, o jovem estudou em bons colégios e se alistou ao serviço militar. Destacado em sua turma, inicia uma promissora carreira, viajando todo o país.

 

Certa vez, foi destacado para importante atividade em Fortaleza e na primeira noite, junto a três outros oficiais, resolve frequentar a badalada noite da cidade. Em um dos cabarés mais tradicionais, a turma de militares negocia e fecha o ambiente só para eles, dinheiro não faltava. Com mesas unidas, conhece e se diverte com várias mulheres que enchem de perfume e beleza o ambiente e após um litro de uísque e alguns cigarros, chegam oito mulheres sob sorrisos da proprietária: – Esse é o reforço que recebo do Juazeiro toda quinta-feira, ficam até o domingo. São minhas matutinhas, são ótimas! E Augusto pega na mão de uma delas, a mais bela e parecia ser a mais experiente mesmo sem ter chegado aos quarenta.

 

(Divulgação Rolnews)

 

Paixão à primeira vista, logo desinteressou-se daquele ambiente luxurioso, tomou uma pequena mesa mais ao recanto só para os dois e, olhando intensamente aquela beleza feminina sob o véu que a fumaça do cigarro fazia, pegou com a mão direita sua nuca, deslizou seus dedos pelos cabelos lisos e suados e lentamente se aproximou. Olhar intenso, arrepio, desejo e um beijo atirou-os em extraordinária volúpia. (continua…)

 

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Publicado na coluna ‘Crônica em destaque’ no Jornal A União de 13 de março de 2021.