A PROPINA VEM DE LONGE…(1)
Quando votei o Estatuto dos Servidores Públicos (LC 39, de 12 de dezembro de 1985) questionei seu principal redator, o procurador João Bosco Pereira, em função do artigo 258 que prescrevia entre as proibições funcionais: “X-receber ilicitamente, propinas, comissões ou vantagem de qualquer espécie, em razão do cargo ou função”. A explicação que recebi reportava-se ao entendimento de que propina seria a gratificação extra, paga por serviço normal, como as gorjetas, ou as comissões legalmente deferidas a servidores públicos. A lei não pretendia legalizar a propina, como se entende hoje no universo brasileiro, ou seja – quantia que se oferece a alguém para induzi-lo a praticar atos ilícitos ou contrários ao seu dever. Em Portugal, de onde veio o costume e também todos os maus costumes que herdamos, propina é a taxa de frequência paga pelo estudante em uma escola de ensino superior, para contribuir com seus custos.
Aos poucos, tanto lá como cá, o conceito foi sendo ampliado e, em livro publicado pelos idos de 1892, encontrei a seguinte referência à rainha- esposa de D.João V: “A Rainha, nossa senhora faz pouco ruído e não se fala nessa Princesa, nem eu sei que ela tenha vindo de Alemanha mais que pelas propinas que recebi do Conselho da Fazenda”. Eis uma primeira confissão, sem delação premiada.
No Primeiro Reinado houve momentos em que o poder de Domitila de Castro, a primeira-amante de D. Pedro, suplantava a força do trono. Por ela passavam todos os assuntos que cheirassem a ouro. Como exemplo, Paulo Rezzutti conta que D.Pedro estava acamado em função de uma surra que tomara de um marido ciumento. Domitila, a Marquesa de Santos, virou regente informal. À época, para se instaurar um processo, fazia-se uma devassa, isto é, uma investigação. O devassado, para não atrapalhar as investigações, era exilado. Conta, em suas memórias, o conselheiro Vasconcelos Drumont, que Domitila recebeu dinheiro do grupo de um tal Francisco Inácio “ não só para conseguir que a devassa fosse cancelada, mas também para a nomeação de um parente dele para o cargo de intendente de policia”. Esse fato provocou o rompimento de José Bonifácio, o Patriarca da Independencia com D.Pedro.
Dom Pedro enfrentou problemas com revoltas armadas, mas também na Assembléia surgiram várias escaramuças, entre as quais, a criação da primeira Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar os ministros da monarquia nascente. Caso os ministros fossem considerados culpados, D.Pedro seria obrigado a demiti-los. O Imperador empenhou-se pessoalmente na defesa dos seus ministros e, ainda segundo Dumont, corroborado pelo bispo Romualdo, teria chegado a pagar pelo voto de alguns deputados, prática que se arrastaria até chegar ao nosso estimado presidencialismo.
A proximidade entre d.Pedro II e o Barão de Mauá resultou em “intensa aplicação de dinheiro público nos empreendimentos de uma única empresa” como infere Marcos Costa. No inicio de 1850, Mauá era possuidor apenas de uma fábrica. Com o beneplácito do Imperador, em dois anos agregou aos seus negócios um banco (Banco do Brasil refundado), um ferrovia, uma empresa de navegação e ainda recebeu a concessão de vários serviços públicos. Sua fortuna era superior ao orçamento do Império. Nos dias de hoje, essa ação empreendedora que mudou a cara do Brasil seria objeto de uma investigação parlamentar, mesmo que terminasse em brioche, já que a pizza não era comum entre nós.