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A FESTA DA PADROEIRA  (RAMALHO LEITE)

A comunidade católica de Borborema tem a proteção de Nossa Senhora do Carmo, sua padroeira. A igreja, situada no ponto mais alto da cidade, foi aos poucos melhorada. Não se tem precisão da data de sua construção. A sua única torre eu me lembro quando surgiu. Há fotografias da cidade, onde aparece o trem da Great Western parado para abastecer com água a Maria Fumaça, com o local da igreja ocupado, apenas, pela mata de eucaliptos. Como o trem aportou na cidade em 1913, está claro que a construção da matriz é posterior. Contam alguns que o dr. José Amâncio Ramalho mandou construir a igreja. Uma placa mandada fixar pelo próprio na entrada da matriz, desmente essa versão. O soba borboremense é responsável pela construção das escadarias que dão acesso ao templo, satisfazendo a última vontade de sua esposa, como perpetuou em bronze: “ESTE PATAMAR E ESCADARIAS FORAM CONSTRUIDOS PELO DR.JOSÉ AMANCIO RAMALHO NO ANO DE 1946/ULTIMA VONTADE DE SUA ESPOSA D.LUIZINHA RAMALHO/ INAUGURADOS A 15 DE JANEIRO DE 1947/ QUINQUAGÉSIMO SÉTIMO ANIVERSARIO DO SEU NASCIMENTO/ (PROJETO DO DR.CARLOS FEST)”.
Na minha infância/adolescência, um padre que marcou época foi o padre Cornélio Belo. Vigário de Serraria, sede da paróquia, vivia às turras com as lideranças de Borborema. Criticava muito os ausentes às suas prédicas. A estes, cognominava “católicos de rótulos de garrafa”. Diziam-se católicos mas não compareciam à igreja, recriminava. A festa da padroeira era motivo de choque entre o padre a comissão organizadora. As vezes conseguia se impor, outras não. Meu pai, organizador da festa por muitos anos, repelia suas idiossincrasias: a festa não é do padre, é do povo.
Interessante notar que, apesar de a Padroeira da cidade ser Nossa Senhora do Carmo, a festa era realizada no dia de São Sebastião e, para muitos, a festa era Dele. Para evitar discórdias, até os dias de hoje, na procissão do dia 20 de janeiro, dois andores percorrem as ruas conduzidos pelos fieis: um leva Nossa Senhora, outro, São Sebastião.
Antônio Nogueira Campos, comerciante e senhor de engenho, outro pioneiro que chegou a Camucá na mesma época de José Amâncio, era devoto de São Sebastião e, em assim sendo, mandou construir uma capela em terreno de sua propriedade. Terminada a festa oficial da paróquia, começava a dele.
Os parques de diversão eram a alegria da meninada e também serviam para suas traquinagens. A onda, brinquedo que desapareceu, constava de uma bancada redonda onde todos se sentavam e, manualmente, homens fortes impulsionavam seus arcos, provocando uma oscilação em círculos que simulava as ondas do mar. Daí a denominação. Em uma dessas festas, eu e Gilson Escorel, de saudosa memória, saímos por traz da onda unindo com broches as saias das mulheres. Na hora da descida, estavam as moças com as saias emendadas com alfinetes de segurança. Quem saísse mais apressada rasgava a saia. Aliás, por pura maldade, o objetivo era esse mesmo.
Além da onda, havia as canoas. Nada mecanizado, tudo dependia da força física do frequentador e pagante, ou do empregado do parque, como no caso dos carroceis. Haviam dois, um de Severino Cordeiro, sem os cavalinhos e outro, de Pedro Vitorino: “No carrossé de Pedro Vitorino, corre homem, mulher e menino”. Não eram poucas as crianças e, até adultos, que desciam do carrossel vomitando as tripas. Tempos depois apareceu a sombrinha de Pedro Mecânico. Pelo nome do dono, já se conclui que a peça era motorizada. A roda gigante surgiria mais adiante. Mas o sucesso da festa era feito pelos serviços de alto falantes, oferecendo música para os ouvintes: “de alguém para outro alguém”, era a mensagem dos tímidos. Havia os que aproveitavam a festa para declarar o seu amor: “Antônio do Camucá, oferece essa música a Toinha de Poço Escuro, como prova de admiração e carinho”. Outros, mandavam através da música a sua mensagem cifrada: “Verinha, escute essa melodia, de um alguém para você. Na voz maravilhosa de Nora Ney, o cartão postal de Ary Barroso – Risque”, que começava assim: “Risque/ meu nome do seu caderno/ pois não suporto o inferno/ de nosso fracassado”.