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A FARRA VAI ACABAR ! ( Ádney J. D. Souza Eng. Civil, MSc, Consultor )

A farra vai acabar!

 

Vi a frase numa Hilux que me ultrapassou no centro da cidade, como slogan de um candidato. Calma, não é campanha eleitoral. Quem me conhece sabe como sou discreto com relação à política. Na realidade, sou discreto com relação a muitas coisas. Não tenho whatsapp – segui o exemplo do Cortella. Em meu Facebook, duvido que hoje você me associe a um time de futebol, a uma religião ou a algum partido. Só quem me conhece pessoalmente há muito tempo pode me descrever um pouco. Se viajo, ninguém me vê postando fotos, pois o lugar que visito eu o absorvo só pra mim. Estar ali é uma sensação só minha. Ninguém pode senti-la naquele instante. Por que então eu deixaria de sentir e contemplar com meus próprios olhos algum cenário para perder tempo deixando que um smartphone fique entre mim e a paisagem rara que ora aprecio?  “Mas é a estátua do Cristo Redentor”. “É o Maracanã”. “A Torre Eiffel”. Bom, todo mundo já viu essas imagens, ou não? Não? Então você não tem o Google. Pois aposto com você que, se digitar CRISTO REDENTOR, vão parecer milhares de fotos daquela gigantesca e linda estátua localizada no topo do Morro do Corcovado, a 709 metros acima do nível do mar, no Parque Nacional da Tijuca (olha aí o Google ajudando!), olhando para belíssima cidade do Rio de Janeiro, de braços abertos, tentando – debalde, é o que parece – abençoar aquela terra. Tem até quem faça montagens como se estivesse nesses lugares. Tem gente pra tudo…

“A farra vai acabar!”… Isso ficou martelando a cabeça e me fez refletir, conduzindo-me para uma seara fora da política partidária que o país, naturalmente, vive. Pela certeza da frase, a partir do momento que o candidato assumir seu posto, tudo que era bagunça, magicamente, vai ser consertada.  Comecei então a matutar. Pois matuto matuta. Filósofo filosofa. E eu – analfabeto filosoficamente de pai, mãe e parteira; como diria o Mestre Jessier Quirino – o máximo que posso fazer é matutar e dar pitaco. Tico e Teco, meus dois e únicos cansados neurônios, começaram então a se digladiar em homérica luta.

Quer dizer que, pela sentenciosa frase, ao tomar posse, o candidato – agora Presidente – vai baixar um decreto apenas com a frase “A farra acabou!” e o país vai ser outro?  A partir desta canetada presidencial, portanto, o país vai se transformar profundamente? O Presidente mandou, então obedeceremos. Simples assim. Tudo que o brasileiro estava acostumado a fazer e que não era visto com bons olhos pelo resto do mundo, com base nos mais básicos códigos de ética e moral, vai mudar. Vamos acordar no outro dia já mudados. Não vamos mais jogar lixo nas ruas. Não vamos mais dirigir a mais de 40km ou 50 km nas cidades, conforme manda a sinalização. Vamos parar e dar preferência aos pedestres e obedecer a circulação dos ciclistas. Não buzinaremos mais à noite. Não estacionaremos em vagas de idosos e cadeirantes. Não veremos mais ambulâncias e nem viaturas policiais com sirenes ligadas, apenas para eles passarem sem ocorrência em curso. Não nos livraremos de multas pontuais, dando ao policial que nos chama a um canto reservado aquilo que “o nosso coração mandar”, embora tenhamos tomado apenas umas vinte e cinco cervejas. Vamos respeitar os mais velhos, dando-lhes as óbvias prioridades em bancos e ônibus. Não vamos mais burlar concursos em universidades, montando bancas corporativas e arranjadas. Vamos todos, ao sair de nossas missas e cultos, acolher os mendigos que estão deitados nas calçadas das igrejas, dando-lhes roupas, comidas e um lugar para morar. Vamos tirar todas as crianças pedintes dos sinais de trânsito e coloca-las em escolas e creches.

A partir deste histórico e milagroso dia, não fraudaremos licitações, tampouco daremos Evoque’s ou apartamentos a fiscais. Não empregaremos parentes em cargos públicos, como funcionários fantasmas. Não compraremos votos. Não venderemos votos. Vamos abandonar de uma vez por toda aquela mania besta de ficar intrigado de um amigo por causa do jogo de ontem ou pela eleição que se aproxima. Vamos deixar de lamber os pés de nossos chefes e parar de maltratar nossos empregados.

Tico, ainda sem entender direito, olhou pra Teco e perguntou ingenuamente: esse caba vai resolver fácil assim? Teco tentou falar, mas desistiu e foi jogar vídeo game.

Sabemos que não. Nem ele e nem outro que entrar. Jesus Cristo, se eleito fosse, seria derrubado em menos de seis meses, pelo Congresso, inclusive através das bancadas cristãs. Só quem pode mudar verdadeira e definitivamente tudo isso está lendo esse pobre texto. Fácil jogar a responsabilidade para os outros…

 

Ádney J. D. Souza

Eng. Civil, MSc, Consultor