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Blog do Vavá da Luz

A CRUELDADE DO AMOR (Prof. Marcos Bacalháo)

      

 

            A proximidade é necessária para haver contato, e onde existe contato entre duas ou mais pessoas, o amor está presente em qualquer uma de suas formas. Entretanto, onde há proximidade também há confusão , pois a perfeita visão e a clara compreensão dependem de certo distanciamento. Quando, a clara compreensão do que sentimos está ausente, as portas para a crueldade se abrem. Assim, o amor sempre corre o risco de cair em contradição consigo mesmo. Quanto mais próximo o contato, quanto maior o valor que o outro tem para nós, maiores as chances de nos  confundirmos com nossos sentimentos e de tratarmos a pessoa amada com crueldade… a crueldade justificada em nome do amor.

 

O amor confunde.Isso porque o amor é cheio de medo. No amor,, experimentamos a maior realização de nossa identidade com o outro. Entretanto, mesmo a mais  completa realização da identidade com o outro não consegue passar por cima da realidade. Quando o amor se encharca de apego, a ameaça de perder o outro se torna insuportável. Para mitigar essa ameaça, o ego precisa preservar o outro na condição de preservá-lo assim, é preciso negar-lhe a condição de semelhante ao eu. Pois, o outro semelhante ao eu é um indivíduo como o eu, e todo individuou é livre.

 

O amor do eu pelo outro que ele toma como seu eu, é caracterizado pela possessividade. Na  possessividade do eu pelo outro, o eu impõe ao outro a obrigação de obedecê-lo. A obediência é recompensada e a desobediência é punida. A punição do outro é justificada pela desobediência; a obrigação do outro obedecer ao eu é fundamentada no direito de posse; e o direito de possuir o outro é uma prerrogativa do amor. O eu que ama se sente no direito de possuí-lo. Pois, o eu identifica no outro o fundamento de sua própria identidade, e a obrigação de todo fundamento é dar a sustentação aquilo que se  ergue sobre ele.

 

A obediência é a condição para que o  outro sustente o eu. Na desobediência do outro, o eu se sente inseguro, e nenhum fundamento pode tornar insegura a estrutura sustentada por ele.Fundamentos são coisas que existem apenas para sustentar. Sem essa função, sua existência perde o sentido. É para o bem do outroque o eu se lhe impõe a conformidade com sua forma de sentir e pensar. É para o bem do outro que o eu lhe proíbe de conviver com quem ele não gosta. É para o bem do outro que o seu eu exige dele o abandono de todos os sonhos para a realização dos seus próprios. É para o bem do outro que o eu lhe proíbe sair de perto dele. É para o bem do outro, que o eu lhe deixar de amá-lo . E é também para o bem do outro, que o eu reage com ciúme, raiva, críticas destrutivas e até mesmo violência física todo vez que o outro lhe desobedece ou apenas ameaça lhe desobedecer.

 

Finalmente a insegurança que sempre atormenta os que amam é  conseqüência da intuição de que, no fundo, a posse do outro jamais existiu. O outro nunca foi meu eu. O outro sempre foi do outro, e  sempre será. O caminhar na direção do amor verdadeiro começa com a aceitação desse fato. Ele começa com a lágrima do desapego. Mas, a lágrima do desapego logo cede espaço para a alegria de, enfim, conseguir encontrar a paz de espírito na liberdade do outro.