A colheita do “Umbu”
Dito por Euclides da Cunha, na obra ‘Os Sertões’ (1905), “É a arvore sagrada do sertão”, se, em tupi-guarani, o “Ymbu” tem como tradução “árvore que dá de beber”, podia eu, caririzeiro aqui do Semiárido, definir-te como “árvore escola – resistência de um viver”.
Convivo com um umbuzeiro em especial, que há muito me viu crescer, e a ele compartilhei momentos de uma vida Severino, essa que só os Severinos sabem dizer; juntos, vivemos estações e tormentas que só os fortes sobrevivem em saber.
Quando, no período de inverno ou verão, tua sombra me fez abrigo, com folhas ou sem, me abrigaste e a ti confessei, na presença de Deus, sentimentos só nossos, meus, que, no carinho do encontro, perdão e gratidão confessados e marcados nas curvas dos galhos, e abençoado pelo canto dos passarinhos.
Já subi na tua copa – menino, moleque e homem crescido – para contemplar o horizonte e observar lá do alto o tempo e suas fazes; também já fiz subir meus filhos, como em oração, para receber tua bênção.
Já estive lá, levado por meus pais, estive com meus irmãos, estive lá em adoração, louvação, amor e paixão.
Na sequidão de um verão prolongado, sabia que nas tuas raízes batatas reservavam água para suprir a sede e a solidão. Respeitei-te, mas contemplei o milagre da vida ali, embutida em reserva e prontidão, lição para aquele homem – eu, que caminhou muitas vezes em seca e desilusão.
Ensinava-me tu também a partilhar o sabor do teu fruto, com todos e para todos, que sentem nessa doçura e sabor, a lição da partilha do melhor, para que, no melhor, respeitem os sabores, respeitem as flores daquela árvore em brotos, em pleno Sertão.
Atravessar estações está em ti, Umbuzeiro amigo. Contigo estão o sentido da coragem, da resistência, da passagem dos dias difíceis, da solidão sentida, da noite transpassada, contemplando a lua nascer, a clareza da escuridão noturna, sabendo que o sol raiaria, trazendo novo dia.
Dentro de ti, a reserva preciosa para continuar a travessia da vida remete que o menos é mais, posto que escapastes pela tua reserva colhida na água contida.
Restava o serrote, em dentes afiados, pelas mãos do homem – este às vezes sedento de resultado, o golpe final para tua vida de até 300 anos ser findada, interrompendo a jornada que se assemelha à bomba lançada à criança em casa, ao golpe mesquinho da perversão on-line, e ao calar no tirar da liberdade.
Respeito, coragem e resistência, chega-me a próxima colheita do Umbu, onde contemplo hoje teu fruto bom, sem saber quantos anos nos restam, mas vejo nos teus galhos retorcidos e nas rugas e cabelos brancos a mim conferidos, que somos sobreviventes de um mundo no qual vence quem faz a sombra a quem merece, ama a todos com o mesmo sabor do fruto, e, na companhia forte que acrescenta, podemos, agora, esperar a próxima travessia das estações e colher os próximos frutos.
Dunga Jr
De um dia de Domingo