A chuva, do poeta ao samurai
Dias atrás, chegou-me a boa notícia de que muitos municípios sertanejos receberiam muita chuva, menos, porém, do que aquela que o lavrador, que reconhecia não saber fazer oração, implorou a Deus, na emocionante Súplica Cearense, de Waldeck Artur de Macedo (Gordurinha) e Nelinho; poema que se escuta vezes seguidas, até ter o tempo para saboreá-lo. A imprensa deveria se ocupar mais a noticiar a chuva e os seus temas, combatendo assim a seca. Criam-se tantas religiões, de acordo com a conveniência e interesse de quem as cria, mas nunca apareceu uma religião da chuva, quando teríamos a Igreja da Chuva. Era lendo a boa nova e imaginando como ficarão as terras acinzentadas; o verde das plantas ressequidas pelo Sol; como brotará nova paisagem, como um milagre, caída do céu aberto. Tenho amigos, nascidos por lá, que não dispensam o caminho de volta, quando a estrada lhes presenteia essa prazerosa satisfação.
É quando se esquece a seca, exatamente pressente-se que essa maravilha jamais deveria desaparecer. Enfim, quem não viu o Sertão, depois de uma chuvarada, não conhece o Sertão, o outro lado da sua beleza, diferente do chão gris. Não como se define a cor gris: “Cor fria”, mas, na realidade, quente e tórrida, de calor gritante. Por essas transformações, justificava meu amigo Sitonio Pinto, em Dom Sertão, Dona Seca, as pessoas perseveram em morar no lugar, onde se valoriza a chuva e se abençoa a água. Muita e atendida esperança, daquilo que se deseja, recebe benevolências dos céus. Daí, nossos aplausos aos programas de plantação de árvores naqueles espaços, como chamariz às nuvens que correm, mesmo vagarosamente, às vezes desviadas, do litoral ao sertão.
Vive-se num estado de espírito de que a chuva cairá; recorrem-se a todas as experiências, inclusive de algum ancião, cujo nome não é outro, mas honrosamente Experiência. E ele diz, mais seguro e preciso do que os serviços meteorológicos, apenas orientado pela experiência e pela natureza, do formigueiro ao ninho do pássaro, e ainda pela velocidade das nuvens. Sua fala garante que a chuva virá. E antes dessa vinda, não se sente uma espécie de derrota, mas uma promessa de vitória, o que se observa no bondoso trato do povo sertanejo, contando os dias, como se estivesse, apesar dos presságios das debandadas das arribaçãs, no entusiasmo restante da rotineira cíclica da seca e da chuva, tudo escrito no âmago do sofrimento, mas nunca na perda da crença.
Do samurai ao poeta cineasta, o mestre Akira Kurosawa, autor do roteiro do filme Depois da Chuva, dirigido por seu discípulo Takashi Koizumi, ambos realizam uma obra extraordinária em beleza cinematográfica, em que há dois excelentes protagonistas: o samurai Misawa e a chuva… A preocupação da seca não embaça os olhos que sempre veem a previdência da chuva, enxergá-la denoda potencialmente soluções. Existem, por aí, energúmenos que dão mais importância a não molharem suas roupas ou evitarem o incômodo uso do guarda-chuva. Mas isso não diminui a grandeza das genialidades em relação à chuva, seja no cinema, na música, na pintura ou na poesia. Mais subjetivamente, nas nossas sensibilidades, quando, numa singela casa do campo, escuta-se a musicalidade dos pingos no tosco telhado; e a casa, quanto mais singela mais nos dá a sensação de abrigo. Depois da chuva, pela sua janela, maravilhamo-nos porque o capim e o verde das plantas cheiram; porque a brisa nos acaricia e também porque deliciamo-nos com o assobio do vento. A chuva é também uma das razões pela qual a vida deve ser vivida…