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Blog do Vavá da Luz

APÓSTROFE A CARNE Augusto dos Anjos (Comentário Prof. Marcos Bacalháo)

 

Quando eu pego nas carnes do meu rosto,
pressinto o fim da orgânica batalha:
 – olhos que o húmus necrófago estraçalha,
diafragmas, decompondo-se, ao sol posto…

E o Homem – negro e heteróclito composto,
onde a alva flama psíquica trabalha,
desagrega-se e deixa na mortalha
o tacto, a vista, o ouvido, o olfato e o gosto!

Carne, feixe de mônadas bastardas,
conquanto em flâmeo fogo efêmero ardas,
a dardejar relampejantes brilhos,

dói-me ver, muito embora a alma te acenda,
em tua podridão a herança horrenda,
que eu tenho de deixar para os meus filhos!

 

 

            Nenhum outro poeta teve tanto amor pelas palavras proparoxítonas – ou será que isso era apenas uma decorrência inevitável de sua incorporação frenética de termos científicos?

Não sei se existe algum estudo a respeito, mas parece razoável dizer que Augusto dos Anjos foi o poeta que mais utilizou palavras diferentes em toda a língua portuguesa; e, ainda que diversas vezes preferisse combiná-las dando mais importância ao som do que ao sentido, teve a ventura de não se consagrar como precursor desta infausta tendência, que hoje chega ao paroxismo.