A má notícia é que eles não vão ficar mais baratos. A boa é que logo você não precisará comprar um para ter mobilidade plena

Vários fatores contribuem com os carros caros no Brasil, como alta carga tributária e problemas de logística

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Vários fatores contribuem com os carros caros no Brasil, como alta carga tributária e problemas de logística

Sim, os carros no Brasil são caros. Não me lembro de quando não o foram. E a proliferação de SUVs compactos, com preços que partem de quase R$ 80 mil, aumenta a sensação de que as montadoras estão lucrando demais sobre o sofrido consumidor brasileiro que é obrigado a arcar com carros caros.

Alguns falam em Custo Brasil e Risco Brasil, outros rebatem com o Lucro Brasil, “caixas pretas” difíceis de serem desvendadas. Não sou economista, por isso fugirei de termos técnicos. Muito menos defensor de multinacionais, como alguns certamente me acusarão. Adoraria ter carros melhores e mais baratos para mim e para todos. Por isso faço abaixo algumas reflexões que ajudam a entender como se constrói o preço dos carros no Brasil e razão dos carros caros no País.

– Custo Brasil : Temos os impostos mais elevados do mundo na área automotiva, disso todos sabem. Mas temos também custos logísticos absurdos, infraestrutura falha, burocracia a não querer mais. E taxa-se demais alguns insumos, como o aço. Nenhum empresário vai absorver esse custo, obviamente. Quem paga a conta é sempre o cliente. E nem temos o consolo de que o dinheiro dos impostos está sendo bem utilizado, diga-se.

Com o caixa do governo comprometido com o tamanho da máquina, a previdência e a dívida pública, não espere por reduções relevantes de impostos. Esse é maior problema que encarece os carros no Brasil. Mas não só.

– Lucro Brasil : Lucro é lucro em qualquer país capitalista. Ninguém fabrica carros por diletantismo. Aqui se lucra mais do que em outros países? Às vezes sim, às vezes não. Multinacionais podem compensar momentos ruins de alguns mercados, salgando a margem em outros que estejam em melhor momento. O Brasil antes da crise atual ajudou a cobrir momentos difíceis dos EUA e da Europa após o crash de 2008. Atualmente, as montadoras por aqui tiveram de reduzir as margens dos carros comuns, tentando compensar com ganhos melhores com SUVs e picapes.

 

Qual é a margem ? Estimativas apontam que a margem média de lucro nos carros brasileiros é de 10%, quase o dobro do que se verifica em outros mercados mais competitivos, como Europa e América do Norte. O que explica isso? Em primeiro lugar, aqui não temos tanta concorrência como lá. Em segundo, os volumes aqui são menores, o que obriga o fabricante a tentar faturar mais por unidade.

Finalmente, nosso mercado oferece mais riscos do que os outros, pelas incertezas econômicas e políticas que afetam o planejamento industrial e os investimentos (lembre-se que o ciclo do desenvolvimento de um carro é de quatro anos). Por tudo isso nossos juros são mais altos, também. A taxa Selic está em 6,5%, já foi maior. Quem deixar o dinheiro parado na aplicação mais bobinha ganha ao menos 6,5% no ano.

Nas lojas, as marcas de lucro variam de acordo com o perfil do automóvel, o que também deixam os carros caros no Brasil hoje em dia
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Nas lojas, as marcas de lucro variam de acordo com o perfil do automóvel, o que também deixam os carros caros no Brasil hoje em dia

Qualquer empresa precisa apresentar aos acionistas um ROI (retorno sobre investimento) consideravelmente superior ao das taxas de investimento, naturalmente. Caso contrário, eles parariam de brincar de investir em carrinhos. Ah, e tem a margem do concessionário, não podemos esquecer. Que também varia de acordo com o perfil do automóvel.

 – Valor percebido: Muitos reclamam, mas boa parte do preço envolve a percepção do consumidor, e isso vai além da lataria e de todos os materiais aplicados no veículo. Marca tem valor. Clientes pagam mais por uma marca com maior reputação de qualidade e de confiabilidade no pós-venda. Não adianta reclamar que a Honda ou a Toyota cobram acima da média por seus modelos. Os clientes confiam, são fiéis, e as marcas cobram por isso.

Montadoras ganham até no preço da pintura. Tinturas metálicas custam menos para a fabricante do que as sólidas. Mas as marcas cobram extra pelas metálicas pois os compradores percebem algo mais requintado nelas.

– Status : Sim, pagamos mais caro por grifes em todos os segmentos de consumo. Por que seria diferente com automóveis? Mesmo entre as marcas que não são consideradas premium, há modelos que conferem mais status aos compradores, como os SUVs mais requisitados ou picaponas. Isso tem um preço, obviamente.

– Apropriação de valor : Por que o cafezinho é mais caro no aeroporto do que em qualquer outro lugar? E porque pagamos, mesmo assim? Pela pressa, pela vontade, pela falta de opções. Isso se chama apropriação de valor. Se o cliente topa pagar mais, porque oferecer por menos? Isso é aplicado em algumas categorias de carros mais exclusivas, ou até por marcas que estejam no limite da capacidade de suas fábricas.

 

Se está vendendo tudo o que produz, cobra-se o máximo que o cliente está disposto a pagar. Isso se chama Pricing Power, a capacidade de esticar o preço sem perder resultado (e sem jogar clientes para a concorrência). A Honda é especialista nisso. Já quem tem capacidade ociosa na fábrica, tende a afrouxar um pouco os preços . Até porque estoques geram custos. É a velha lei da oferta e demanda em estado bruto.

– Valor agregado : Essa é a modalidade que mais favorece o lucro das montadoras. São os tais veículos mais equipados, que incorporam muitos itens de comodidade, conforto e segurança, além de acessórios estéticos. Quanto mais equipado, mais a montadora consegue agregar margens sobre esses itens, ampliando a margem de lucro geral do veículo. Por isso há tantas versões especiais, versões aventureiras. Uma forma de potencializar os ganhos da fábrica e da rede.

– Carro de volume, baixo retorno : Em modelos de preços mais baixos, menos equipados, as margens do fabricante tão mais enxutas. Nesse caso, diz-se que a montadora precisa ganhar no volume. Os carros básicos só valem a pena para as montadoras se venderem muito, casos de Onix, Ka, HB20 e Gol. Se não venderem tanto, mas não derem prejuízo, ao menos servem de porta de entrada para o cliente ao universo da marca. Se venderam pouco, é prejuízo na certa.

O encolhimento do mercado brasileiro em função da crise dificultou a vida das marcas generalistas nesse aspecto. Algumas podem vender carros pequenos sem margem, só para manter a gama completa e atrair fluxo às lojas.

Carros deficitários

Entre os assuntos ligados aos carros caros no Brasil, estão os que não compensam investir em mudanças, como o Focus
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Entre os assuntos ligados aos carros caros no Brasil, estão os que não compensam investir em mudanças, como o Focus

 As peruas, minivans e hatches médios não estão saindo de linha só porque há menos clientes interessados. A questão central é que um volume muito baixo não compensa o investimento em renovação do modelo, em desenvolvimento, em encomendas de novas peças. Enquanto ainda há quem compre, são mantidos em linha, com margens baixas e à base de descontos. Mas em algum momento vão ficar defasados demais, e não valerá a pena investir em mudanças. Por isso acabam saindo de linha, sem substituição, como ocorrerá em breve com o Ford Focus.

– Projetos novos e antigos : Antes do acirramento da concorrência e da entrada de regras mais duras de emissões e segurança, era comum haver carros que ficavam décadas no mercado sem grandes mudanças. Casos de Kombi, velho Mille e tantos outros. O custo de desenvolvimento de um carro se paga em alguns anos.

Depois, ele passa a dar bom lucro. Mas hoje em dia, os modelos precisam de atualização constante, o que impede que “dinossauros” continuem em linha. Carros novos chegam mais caros, para que a fábrica recupere logo o valor investido e passe a lucrar. Sempre há o risco de um carro não vender o que se imaginava, gerando prejuízos que a fábrica tentará compensar nos modelos de maior sucesso.

– Custos da nova mobilidade : Montadoras estão na fase mais desafiadora de sua existência. O modelo de negócio está virando de cabeça para baixo, com tendências como eletrificação, automação, conectividade, compartilhamento, etc. Os custos de ingresso nesse novo universo da mobilidade são altíssimos, e sem garantia de retorno. Elas têm de pensar nesse novo mundo sem deixar de lado o mundo atual.

Competem entre si e contra novos players como Uber, Tesla e tantos outros. É quase como abastecer um avião em pleno voo. Talvez muitas fiquem pelo caminho, ou encarem novas fusões e parcerias. Com tantos investimentos necessários, não espere pelo milagre de ter carros mais baratos um dia. O milagre será ter mobilidade total sem precisar ter carros caros . A chave já está virando.