Juiz Federal Enfrenta Gilmar Mendes E Determina Condução Coercitiva De 27 Pessoas Na ‘Carne Fraca’
A decisão do juiz federal da 1ª Vara Federal de Ponta Grossa (PR) que decretou, no âmbito da “Operação Carne Fraca” – além da prisão temporária de 11 executivos e técnicos da empresa BRF – a expedição de 27 mandados de conduções coercitivas, tornou ainda mais atual o julgamento de duas arguições de descumprimento de preceito fundamental que estão na pauta da sessão plenária do Supremo Tribunal Federal deste próximo dia 21. (leia a íntegra da decisão que autorizou a nova fase da Operação)
Em 18 de dezembro do ano passado, a ministro Gilmar Mendes, relator das ADPFs 395 e 444, de autoria do Partido dos Trabalhadores (PT) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), respectivamente, concedeu as liminares requeridas, “para vedar a condução coercitiva de investigados para interrogatório sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de ilicitude das provas obtidas, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.
A ADPF 395, a mais antiga, foi autuada em 10 de abril de 2016, um mês depois de o ex-presidente Lula ter sido conduzido coercitivamente para depor na Polícia Federal, quando da 24ª fase da Operação Lava Jato. A ação da OAB, por sua vez, foi protocolada em 14 de março do ano passado. Ambos os feitos têm manifestações contrárias da Advocacia-Geral da União como da Procuradoria-Geral da República.
Posição do relator
O juiz da 1ª Vara Federal de Ponta Grossa, Wasilewski Duszczak, na decisão divulgada nesta segunda-feira (5/3), afirma que a liminar do ministro Gilmar Mendes, de dezembro último, “deixa expresso” que a condução coercitiva de testemunhas é legítima. E que o seu despacho, em mais este episódio da “Operação Carne Fraca”, não se choca com a posição do relator das ADPFs que serão julgadas daqui a das semanas.
“Assim, plenamente legítima a condução coercitiva de testemunhas. Ressalto, contudo, que as investigações ainda estão em curso, e que, portanto, existe a possibilidade de, em decorrência de diligências complementares, se verificar que alguma testemunha cometeu algum ilícito e possa, desse modo, passar à condição de investigado”, registrou o juiz da primeira instância.
Assim, a condução coercitiva por ele determinada “em nada afronta a decisão” de Gilmar Mendes, “uma vez que, no presente momento, não existem indícios suficientes a enquadrar a testemunha como investigado, tendo esta última, portanto, o dever de comparecer e prestar testemunho”.
No despacho-voto das medidas cautelares concedidas ao PT e à OAB – e que agora será submetido ao pleno do STF – Gilmar Mendes teve o cuidado de anotar o seguinte:
“Busca-se o reconhecimento de que investigados e réus não podem ser conduzidos coercitivamente à presença da autoridade policial ou judicial para serem interrogados.
Há outras hipóteses de condução coercitiva que não são objeto desta ação – a condução de outras pessoas, como testemunhas, ou de investigados ou réus para atos diversos do interrogatório, como o reconhecimento, por exemplo. Essas outras hipóteses não estão em causa. Serão mencionadas no curso do voto apenas para ilustração e teste das teses jurídicas em conflito”.
O ministro-relator das ADPFs acrescentou: “Para que não paire dúvida, desde logo esclareço que o emprego não especificado da expressão ‘condução coercitiva’ doravante neste voto fará referência ao objeto da ação – condução do imputado para interrogatório. Reitero que, na medida em que não há obrigação legal de comparecer ao interrogatório, não há possibilidade de forçar o comparecimento”.
“As conduções coercitivas para interrogatório têm se disseminado, especialmente no curso da investigação criminal. Representam uma restrição importante a direito individual. Muito embora alegadamente fundada no interesse da investigação criminal, essa restrição severa da liberdade individual não encontra respaldo no ordenamento jurídico. Tenho por suficiente o perigo de lesão grave aos direitos individuais, autorizando o deferimento da medida liminar por decisão unipessoal”.
Ação
A PF deflagrou nesta segunda-feira a nova fase da Operação Carne Fraca, chamada de Operação Trapaça, contra fraudes laboratoriais perante o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Um dos alvos é a empresa BRF, sendo que o ex-presidente da empresa Pedro de Andrade Faria e o ex-diretor-vice-presidente Hélio Rubens Mendes dos Santos Júnior foram presos.
Segundo a PF, cinco laboratórios credenciados junto ao Ministério da Agricultura e setores de análises do grupo empresarial fraudavam resultados de exames em amostras de seu processo industrial, informando ao Serviço de Inspeção Federal dados fictícios em laudos e planilhas técnicos. As fraudes tinham como finalidade burlar o Serviço de Inspeção Federal (SIF/MAPA), do Ministério, e, com isso, não permitir que a Pasta fiscalizasse com eficácia a qualidade do processo industrial da empresa.