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‘Tem gente que cresceu comigo e hoje está no tráfico. Não sei como agir’, diz jovem do Exército

Militares que vivem em morros temem ‘lutar guerra em casa’

‘Tem gente que cresceu comigo e hoje está no tráfico. Não sei como agir’, diz jovem do Exército

Convivência. Mãe leva criança para escola enquanto militares patrulham a Vila Kennedy, no Rio
CARL DE SOUZA / AFP – 23.2.2018

Convivência. Mãe leva criança para escola enquanto militares patrulham a Vila Kennedy, no Rio

Rio.  O soldado A. viveu dias de apreensão às vésperas da operação conjunta das Forças Armadas e da polícia na Cidade de Deus, zona oeste do Rio, pouco antes do Carnaval. Seu temor era ser convocado para atuar na própria comunidade onde nasceu, foi criado e ainda vive com a família. A., a mãe e a avó só se sentiram aliviados quando saiu a escala de serviço: o rapaz, militar há um ano, fora designado para atividades no quartel.

“Seria muito desconfortável. Tem gente que cresceu comigo e hoje está no tráfico. Não sei como ia reagir na hora H”, contou A., revelando um drama pelo qual vêm passando praças envolvidos na intervenção federal no Estado.

Máscaras.  Jovens como A., oriundos de comunidades pobres, que ingressaram nas Forças Armadas em busca de emprego estável e ascensão social, temem ser vistos por traficantes no papel de inimigo. Isso poderia desencadear represália para si e para parentes. Para se resguardar, quando em missões nas favelas, eles usam máscaras que cobrem o rosto inteiro – apenas os olhos ficam de fora.

“Até hoje fui poupado, eles dão preferência a pessoas de fora. Mas se tiver de ir, não vai ter jeito. Vou fazer tudo para não ser reconhecido”, disse A.. “Eu não me envolvo com ninguém, mas tenho amigo do lado de lá. Todo mundo tem. Procuro nem passar perto. Acredito na intervenção e na construção de um Rio e um país melhor se as operações forem sérias. Só não adianta fazer operação e sair. Tem de ficar”, continuou.

Exército.  Segundo A., é comum que informações sobre as investidas militares cheguem antes aos ouvidos dos traficantes, por causa da convivência natural nas favelas. “Eu nunca informei, mas um vai comentando com o outro, e todo mundo acaba sabendo”, explicou o jovem.

O Comando Militar do Leste (CML) informou que já toma precauções para a segurança dos militares que moram em favelas e vai intensificá-las. Mas admitiu que nem sempre é possível alocar apenas jovens que não sejam das proximidades da área em que vão atuar.

  Maia cria observatório das açõesRio.  O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, lançou neste sábado (24), para prefeitos, secretários e políticos do Estado, o Observatório Legislativo da Intervenção Federal da Segurança Pública do Estado do Rio. A ideia dar transparência aos dados que serão produzidos pelo Exército, como prisões e operações, e acompanhando o orçamento destinado.

“ Não podemos ficar nesse limbo, de ter a intervenção, mas não ter o planejamento”, disse.

Apesar de comemorada como “jogada de mestre” pelo Planalto, a intervenção teve resistência de aliados. Na reunião, Maia e o senador Eunício Oliveira reagiram. No dia seguinte, a presidente do STF, Cármen Lúcia, comunicou seu descontentamento a Temer.

  “Vão enfrentar o próprio povo”Liderança do Complexo do Chapadão, na zona norte, Gláucia dos Santos denunciou à Anistia Internacional o barril de pólvora que pode se tornar um confronto que divide jovens que foram criados juntos e têm armas de alto calibre nas mãos. “Estão tentando criar uma guerra nas favelas”, disse Gláucia, cujo filho de 17 anos foi morto pela polícia em 2013.

“A maioria que vai para o Exército é favelada e há essa rivalidade com os que foram para o tráfico. Eles vão enfrentar o próprio povo: vão se matar”, afirmou. 

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