Por unanimidade, TRF-4 mantém condenação de Lula e aumenta pena para 12 anos
Desembargador Gebran Neto indicou culpabilidade ‘extremamente elevada’ de Lula em crimes de corrupção e lavagem e elevou pena para 12 anos e 1 mês; voto foi integralmente acompanhado pelos outros dois magistrados
Por unanimidade, a 8ª Turma do Tribunal Regional Federal (TRF-4) decidiu nesta quarta-feira (24) manter a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso tríplex da Operação Lava Jato. O relator do recurso do petista, desembargador João Pedro Gebran Neto, votou pela manutenção da sentença do juiz Sérgio Moro e sugeriu o aumento da pena para 12 anos e 1 mês de prisão. O voto foi integralmente acompanhado pelo revisor do processo, desembargador Leandro Paulsen e também pelo desembargador Victor Laus
Lula havia sido condenado na primeira instância a cumprir 9 anos e 6 meses de prisão por crimes de corrupção e lavagem configurados na alegada reserva para si do tríplex 164-A do Condomínio Solaris, no Guarujá (SP). O entendimento de Moro, agora ratificado pelo TRF-4, foi o de que a compra e reforma do imóvel foram oferecidas pela construtora OAS ao ex-presidente e representaram vantagem indevida no valor de R$ 2,4 milhões.
Gebran Neto embasou sua decisão em elevar a pena do ex-presidente alegando culpabilidade “extremamente elevada” nos crimes cometidos pelo petista. “Trata-se de ex-presidente da República que recebeu valores no decorrer da função que exercia de esquema de corrupção que se instalou durante seu mandato, com o qual se tornara tolerante e beneficiário. Infelizmente, reafirme-se, infelizmente, está sendo condenado um ex-presidente, mas que praticou crime e pactuou direta ou indiretamente com tantos outros, o que indica a necessidade de uma censura acima daquela que originadamente se firmaria na dosagem”, disse o relator em seu voto.
O ex-presidente ainda pode recorrer ao próprio TRF-4 antes de, em tese, ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa e acabar sendo impedido de participar das eleições deste ano. De todo modo, a última palavra sobre a inelegibilidade de Lula caberá à Justiça Eleitoral .
O petista só deverá começar a cumprir sua pena, ou seja, ser preso, após o esgotamento dos recursos junto ao Tribunal de Porto Alegre. Nesse meio tempo, existe a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal (STF) reanalisar sua posição em determinar que o cumprimento de penas deve ocorrer já após a condenação em segunda instância.
Além do recurso do petista, também foram julgados pelos desembargadores do TRF-4 o recurso do Ministério Público Federal (MPF) defendendo a reversão da inocentação de outros três réus (pedido esse negado) e contestações do ex-presidente da OAS Léo Pinheiro (condenado a 10 anos e 8 meses), do ex-diretor da empreiteira Agenor Franklin Magalhães Medeiros (condenado a 6 anos), e do presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto (que foi absolvido, mas requer troca dos fundamentos da sentença).
Os votos dos desembargadores
João Pedro Gebran Neto – Primeiro a ler seu voto, o relator considerou logo de início que o juiz Sérgio Moro não é suspeito para analisar o caso de Lula e dos demais réus, rejeitando as preliminares das defesas.
O desembargador afirmou que a acusação é cristalina ao indicar que a OAS mantinha um caixa para pagamento de propina ao PT e rechaçou os argumentos da defesa de Lula de que não há relação entre a sentença do juiz de Curitiba e a acusação oferecida pelo Ministério Público Federal. “A denúncia é bastante clara e indica todas as circunstâncias de que teriam sido cometidos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro”, considerou o magistrado.
Gebran Neto também atacou as alegações no sentido de que não foi indicado qual o ato de ofício realizado pelo ex-presidente a troco de vantagem indevida. No entendimento do relator, Lula tinha “inequívoca ciência” sobre os crimes perpretados no âmbito da Petrobras.
“Há prova documental e testemunhal a respeito da participação da OAS no esquema de corrupção na Petrobras […] e de pagamento de propina a agentes políticos. Em especial, por ordem ou orientação do ex-presidente Lula como mantenedor/fiador do esquema de corrupção”, destacou Gebran. “Crimes dessa espécie não passam recibo”, disse mais à frente.
Sobre a propriedade do apartamento tríplex no Guarujá, o desembargador destacou diversos depoimentos de testemunhas ouvidas durante a instrução processual que associaram o imóvel ao ex-presidente. Gebran disse estar “acima de dúvidas” que as reformas feitas no tríplex visavam atender o ex-presidente e a ex-primeira-dama Marisa Letícia, que morreu no início do ano passado.
Ao analisar o pedido do MPF para que sejam reconhecidos três atos de corrupção cometidos por Lula (um para cada contrato da OAS com a Petrobras), e não apenas um, como entendeu Moro, Gebran Neto disse ter convicção de que, para além dos contratos com a Petrobras, a compra e reforma do tríplex configuram ato “adicional e autônomo” de corrupção. O relator disse não ser cabível considerar, nessa ação penal, que houve crime no contrato da estatal com o consórcio Repar, que era liderado pela Odebrecht, e não pela OAS.
“Seriam imputáveis a Lula dois atos de corrupção: o primeiro relativamente às obras e reforma do tríplex, e o segundo aos contratos”, disse. Ainda assim, Gebran optou por considerar que houve um único crime de corrupção cometido por Lula, Léo Pinheiro e Agenor Medeiros, mantendo o entendimento de Moro.
Sobre o crime de lavagem, Gebran também manteve a sentença do juiz de Curitiba, alegando que a OAS atuou como “laranja” de Lula ao manter a posse do tríplex no Guarujá, e rechaçando a pretensão da acusação em aumentar o número de atos de lavagem. “Não se pode conceber que sejam atos de lavagem distintos, pois estão inseridos em um mesmo contexto criminoso.”
Gebran considerou haver culpabilidade “extremamente elevada” para os crimes cometidos por Lula, fixando a pena do ex-presidente em 12 anos e 1 mês de prisão, com cumprimento da pena em regime inicialmente fechado.
“A eleição de um mandatário, em particular de um presidente da República, traz consigo a esperança de uma população em um melhor projeto de vida. […] Infelizmente, reafirme-se, infelizmente, está sendo condenado um ex-presidente, mas que praticou crime, e pactuou direta ou indiretamente com tantos outros, o que indica a necessidade de uma censura acima daquela que originadamente se firmaria na dosagem.”
O relator manteve ainda a absolvição de Lula e de Paulo Okamotto quanto à acusação de lavagem envolvendo o armazenamento do acervo presidencial do petista.
Ao fim de seu voto, após três horas, o relator rebateu críticas à Lava Jato, negando haver excessos em relação ao número de prisões preventivas e rechaçando teses de que há pressão por acordos de colaboração. Gebran também combateu críticas contra o fato de o julgamento ter sido realizado em tempo recorde (6 meses após a sentença de Moro) e disse que Justiça não afronta a democracia. “O que atinge a democracia não é o processo penal, é o uso de recursos ilicitos”, declarou Gebran Neto.
Leandro Paulsen – Revisor do processo e presidente da 8ª Turma do TRF-4, o desembargador Leandro Paulsen iniciou a leitura de seu voto às 15h desta tarde ressaltando que “a lei é para todos”. Paulsen destacou ainda que a eleição de alguém para o cargo de presidente da República “não põe o eleito acima do bem e do mal”.
“Nesta ação penal não estão em questão fatalidades do destino, e sim condutas que implicam em graves crimes”, disse o revisor. “Ninguém pode ser condenado por ter costas largas e nem ser absolvido por ter costas quentes”, garantiu.
Assim como Gebran Neto, o revisor também rejeitou as preliminares das defesas e garantiu que “não houve vício” na instrução da ação penal em Curitiba. “Tudo que se faz necessário para assegurar um julgamento legítimo e justo foi feito. […] A denúncia é complexa, não há dúvida, mas complexos são os fatos”, disse Paulsen.
“Não restaram evidenciadas na relação entre empresas e a Petrobras nem vítimas e nem vilões, mas a convergência de interesses espúrios”, declarou. Mais adiante em seu voto, Paulsen afirmou que “restou comprovado os pagamentos das vantagens indevidas descritos pelo Ministério Público” na denúncia.
“Relativamente a Luiz Inácio Lula da Silva, há elementos de sobra a demonstrar que concorreu para os crimes de modo livre e consciente. Que concorreu para viabilizar esses crimes e para perpetuá-los. Não se trata simplesmente da sua superioridade hierárquica enquanto presidente, mas do uso que fez desse poder”, disse Paulsen. “Lula agiu por ação e omissão para prática criminosa”.
Paulsen, desse modo, seguiu integralmente o voto do relator e defendeu a manutenção da condenação de Lula por lavagem de dinheiro e por um ato de corrupção no caso tríplex.
O revisor manteve ainda o entendimento de Moro de que não houve crime relacionado ao armazenamento do acervo presidencial de Lula. Paulsen destacou que o início do cumprimento da pena deve ocorrer após esgotados todos os recursos disponíveis na segunda instância.
Victor Laus – Último a votar no julgamento desta quarta-feira (24), o desembargador Victor Laus cumprimentou o juiz Sérgio Moro por sua atuação e defendeu a competência do TRF-4 em julgar o caso tríplex.
Ainda antes de indicar qual direção deve seguir, o desembargador disse haver “complexidade” no caso. “A partir do momento em que o chefe da alta administração pública federal se vê envolvido com fatos que se dizem criminosos, isso significativamente, assume uma complexidade”, disse Laus. “Não estaremos julgando pessoas, mas sim os fatos.”
Sobre a propriedade do apartamento tríplex no Guarujá, o desembargador disse que há provas materiais “para quem quiser ver” e destacou existirem também provas testemunhais que indicaram versões convergentes. “Como se fosse um muro, cada uma das testemunhas acrescentaram um tijolo”, disse Laus. “E o resumo que se faz é que aquele primeiro mandatário [Lula] auferiu benefícios com esses fatos”, completou mais adiante.
Laus destacou que analisou os depoimentos colhidos durante o processo e optou por também acompanhar o voto do relator Gebran Neto, inclusive quanto à dosimetria da pena.
O que disseram as partes
A sessão de julgamento começou pontualmente às 8h30 desta manhã com a leitura do relatório elaborado pelo desembargador João Pedro Gebran Neto. Em seguida, o procurador da República Mauricio Gotardo Gerum, responsável pela sustentação oral da acusação, teve meia hora para sua explanação.
“Se esta Corte absolver o ex-presidente Lula, a Justiça será feita. Se esta Corte decidir manter a condenação do ex-presidente Lula, a Justiça também será feita, porque cabe a vossas excelências, e somente a vossas excelências, a responsabilidade constitucional de julgar um processo em segunda instância”, defendeu Gerum, ressaltando que a opinião popular não deve interferir no julgamento do TRF-4.
O primeiro advogado a ser chamado a se manifestar foi René Dotti, assistente da acusação por parte da Petrobras. Ele afirmou que a estatal “sofre um gravíssimo atentado”, e chegou a citar Monteiro Lobato em sua acusação contra os reús. “A Petrobras foi vítima de uma refinada organização criminosa”, disse, antes de agradecer ao trabalho realizado pelos responsáveis pela Lava Jato.
Em seguida, foi a vez de Fernando Fernandes, advogado de Paulo Okamotto, usar a palavra. Ele afirmou que uma época de ódio cerca este caso e tenta influenciar o judiciário. Além disso, fez uma crítica ao STF, dizendo que a Corte deixou que ilegalidades corram neste caso sem a prestação jurisdicional adequada.
O terceiro a falar foi o advogado do ex-presidente, Cristiano Zanin Martins. Ele comentou que, se há tanta repercussão do caso – dentro e fora do Brasil – com argumentos de profissionais do direito que se chocam com a sentença proferida a Lula, “há algo errado”.
Zanin defendeu que, se houve alguma situação que pudesse tangenciar o ilícito legal, “não foi da parte da defesa ou de terceiros, mas em várias situações que ocorreram em prejuízo à defesa, o que não se pode admitir”.
O advogado citou ainda a divulgação de áudios de conversas telefônicas entre o ex-presidente Lula e a ex-presidente Dilma, que vieram ao público durante as investigações da Lava Jato. “Aquilo foi um ato político!”, exclamou.
Para Zanin, quando o juiz Sérgio Moro proferiu a sentença contra o ex-presidente, ele “contruiu uma acusação própria”. “O que se tem aqui é um processo mudo, que gerou uma sentença nula”, afirmou. Após a fala do advogado do ex-presidente, a Corte entrou em intervalo.
Outros processos
Além desse processo sobre o tríplex, Lula responde ainda a outras seis ações penais, sendo quatro na Justiça Federal em Brasília e outras duas com o próprio juiz Sérgio Moro em Curitiba. No Paraná, o petista é réu em ações sobre propina da Odebrecht mediante à compra de um terreno para o Instituto Lula e de um apartamento em São Bernardo do Campo (SP), e sobre o sítio em Atibaia (SP).
Já na capital federal, o ex-presidente responde por suposto crime de tráfico de influência no BNDES para favorecer a Odebrecht, por suposta tentativa de obstrução à Justiça no episódio que levou o ex-senador Delcídio do Amaral à prisão, por tráfico de influência na compra de caças suecos da Saab e por supostamente ter favorecido montadoras com a edição de medida provisória em 2009. Lula nega todas as acusações.
Fonte: Último Segundo – iG /vavadaluz