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Juiz acusado de insubordinação que anulou união gay é pastor da Assembleia de Deus

O juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública de Goiânia, Jeronymo Pedro Villas Boas, que anulou uma união homoafetiva , participou nesta quarta-feira de um ato da bancada evangélica na Câmara dos Deputados. No evento, ele confessou que é pastor da Assembleia de Deus e disse que não há problema em manifestar sua crença e que o Estado não pode se imiscuir na liberdade de culto.

A frente parlamentar evangélica e a federação evangélica aprovaram uma moção de louvor e aplauso à decisão de Jerônymo.

– Agradeço em meu nome e de minha família. Meus filhos, minha esposa estão sofrendo ataques nas ruas. Dizem: lá vai a esposa do juiz homofóbico. Antes de tomar minha decisão, conversei com minha família. Família é projeto de Deus. Abdiquei dessa tranquilidade, desse conforto. Deus me incomodou, Deus como que me impingiu a decidir – declarou, negando ainda que tenha adotado uma postura discrimatória.

– Não estou discriminando ninguém. Mas não podem querer me impor sua conduta, seus valores, me impor o silêncio. Nós coexistimos em igualdade. O deputado (Anthony) Garotinho (PR-RJ) está aqui. Ele, quando era governador, visitava presídios, não discrimina qualquer um com opção sexual diferente. Desde que isso não seja crime, não tem preconceito, reparo a fazer. Mas não podem querer calar nossa boca, não podem querer impedir que os pastores preguem, que os padres falem, que a maçonaria não os aceite como membros – argumentou

O juiz diz que defende a legalidade, inclusive para os casais homossexuais.

– Minha decisão se resume à legalidade. Eles não se submeteram à regras. Aqueles que vão se casar se submetem às regras, publicam os proclamas. Há um processo de habilitação antes de celebrar um casamento civil, religioso, união estável. Não basta ir ao cartório e registrar – afirmou, acrescentando que cabe a um juiz ver se o cartório está cumprindo as regras.

– Eu tenho o poder correcional dos atos praticados neste tabelionato. Esse caso veio a mim porque foi noticiado pela imprensa. Mandei pesquisar todos os atos feitos a partir do dia 5 de maio e farei o mesmo controle. Se não for impedido por decisão superior – disse.

Jeronymo também comentou que o Brasil corre o risco de ver o fim da monogamia se não observado o que diz a Constituição sobre a família.

– Estamos diante da possibilidade de que o Brasil enfrente o fim da monogamia. Se o leque da família constitucional não é taxativo, todo tipo de relacionamento virá a ser família.

O juiz justifica que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que garante aos homossexuais os mesmo direito civis dos demais brasileiros, não é vinculante e o acórdão daquela sessão ainda não foi publicado.

– As pessoas no Brasil, para viverem juntas e se unirem, têm que ter os requisitos formais da lei. Quem reconhece isso é um juiz – disse Villas Boas.

Presidente da Amaerj critica decisão do juiz

O presidente da Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro (Amaerj), desembargador Antonio Siqueira, criticou a decisão do juiz de Goiânia Jeronymo Pedro Villas Boas em cancelar uma união homoafetiva realizada em um cartório da capital goiana, contrariando decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo ele, foi uma atitude de insubordinação, que não cabe mais no Poder Judiciário moderno, lembrando que toda interpretação constitucional tem sua última palavra no STF.

– O STF tem atribuição constitucional de fazer a interpretação da Constituição Federal, portanto, se o Supremo diz que é possível a união homoafetiva, um juiz de primeiro grau não pode afirmar o contrário. Na verdade, isso é uma afronta à decisão do STF – disse Siqueira, acrescentando:

– Me parece que esse tipo de atitude, que representa a exposição de um pensamento pessoal, não tem mais lugar no Poder Judiciário moderno. Atitudes assim apenas impõem mais dificuldade à parte, que terá que ir até Brasília para obter um direito que já está consagrado pela mais alta corte de Justiça do país.

O juiz também fez uma comparação com o que acontece com as bancadas do Congresso. Segundo ele, o fenômeno de bancadas religiosas acontece em qualquer parlamento, mas não quer dizer que as Igrejas viraram partidos, apenas que as pessoas que são da Igreja se dispuseram a fazer política. Para defender seu ponto de vista, o juiz comparou o caso à situação das escolas.

– O ensino é laico. Daqui a pouco vão dizer que, se o ensino é laico, o professor não pode ter religião ou vai influenciar o aluno. Minha decisão tem um pouco disso. As raízes têm um forte componente religioso, moral. A sociedade não se divorcia das regras morais, a essência do pensamento coletivo se reflete e os pensadores, os juízes são influenciados. Estamos com 100 anos da Assembléia de Deus. Não há como divorciar a decisão de um juiz, de um ministro desse contexto de valor que existe dentro da própria norma – disse Jeronymo.

Corregedora-geral de Justiça de Goiás anula decisão

A corregedora-geral de Justiça de Goiás, Beatriz Figueiredo Franco, anulou na terça-feira a decisão de Villas Boas. A desembargadora também abortou o plano do juiz de tentar anular outros casamentos gays registrados em Goiânia. Ela apontou várias incorreções que teriam sido praticadas pelo juiz.

Segundo a corregedora, a decisão de Villas Boas traz “vício de congênito”: o fato de não ser permitido o contraditório, apensar de o princípio dos interessados – Liorcinio Mendes Pereira Filho e Odílio Cordeiro Torres Neto – estarem qualificados nos autos.

O Globo
 

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