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A FESTA DE NATAL DA VIZINHA (Marcos Pires)

 

         Essa história é de meu amigo Carlos. Fala, Carlos.

          “- Marcão, eu havia prometido à minha família passar o natal na Disney, mas a grana ficou curta e tivemos que improvisar lá em casa mesmo. Montamos uma ceia à base de lagosta e camarão, comprei os presentes do amigo secreto na Track e Field e não chamei mais ninguém; seria um natal só nosso. No entanto, minha esposa Lila estava com pena da nossa vizinha, uma senhora de seus oitenta anos, solitária, e convidou-a para vir à nossa festinha.

           Dona Esperança, a vizinha, chegou acompanhada de um rapaz que eu conhecia de vista. Estranhei quando o apresentou como sendo seu novo namorado, não porque tinha 40 anos menos do que ela, mas porque eu o sabia bem casado com uma morena bonita. Como minha esposa estava tão contente por ter feito aquela caridade, eu não disse nada, mas notei que o “Amor” já deveria ter tomado umas e outras. Enquanto Lila mostrava a dona Esperança a arvore de natal, “Amor” sentou ao lado do nosso pequeno bar e serviu-se de uma dose generosa de uísque sem dar uma palavra sequer.

            Eu anunciei o nosso amigo secreto e dona Esperança correu para a arvore de natal pegando um dos presentes, se oferecendo para ser a primeira a escolher seu par. Claro que escolheu “Amor”, que a essas alturas já estava na terceira dose de uísque. Em seguida ela mesma se deu o segundo presente, desmanchando toda a lógica da brincadeira. O olhar de minha esposa me fez suspirar fundo, suspender o amigo secreto e convidar todos para jantar, desnecessário porque dona Esperança já fazia o pratinho de “Amor”, onde colocou o que havia de lagosta e camarão. Contentamo-nos com o arroz de passas e o salpicão. Mas nem bem iniciamos a refeição, “Amor” (que já havia devorado nossas lagostas) derramou o oitavo uísque no sofá, deu um sonoro arroto e apagou num sono de pedra. Dona Esperança nem ligou, e tivemos que fazer sala a ela, que se apossou no controle da TV porque não poderia perder a mensagem natalina de um certo pastor Waldomiro.  Enquanto isso eu fui encarregado de deixar “Amor” em casa, rebocando aquele estrupício cidade afora. Quando retornei dona Esperança já havia ido embora, não sem antes levar todas as castanhas portuguesas, minha maior paixão natalina.

           Sozinho na sala (minha família já havia ido dormir), enquanto limpava o vômito que “Amor” deixara no chão, me lembrei que a esperança é a última que morre.

            Mas um dia morre, viu, Marcão?”.

 

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