Nota dos Autores Os faroleiros de hoje em dia têm eletricidade, radar, e rádio para os auxiliar na sua importante tarefa. Contudo, durante décadas, apenas simples candeias e faroleiros dedicados evitavam que muitos navios naufragassem contra rochas perigosas e pontiagudas. Abbie Burgess e a família mudaram-se para Matinicus Rock, ao largo da costa do Maine, em 1853, quando o seu pai passou a ser faroleiro nesse lugar. A 19 de janeiro de 1856, o Capitão Burgess saiu em busca de provisões de que a família desesperadamente necessitava e de petróleo para as lanternas, deixando as luzes a cargo da filha Abbie. Pouco depois de ele ter saído com o barco, rebentou uma tempestade tremenda, que durou quatro semanas. Durante todo esse tempo, Abbie e as irmãs tomaram conta da mãe doente, e Abbie manteve sempre as luzes acesas. Abbie Burgess continuou a cuidar de faróis até ao fim da sua vida. O seu túmulo está mesmo assinalado por um pequeno farol, uma cópia miniatura do farol de Matinicus Rock. A sua história é famosa na longa saga de faroleiros corajosos. Mantém as Luzes Acesas, Abbie baseiase nos seus próprios relatos da tempestade e em informações provenientes de outras fontes históricas.
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ëëë Abbie olhou através da janela do farol. As ondas batiam com força nos rochedos lá em baixo. Ao largo, no mar, um navio passava em segurança. — Vais hoje de barco até à cidade, papá? — perguntou Abbie. — Sim — respondeu o Capitão Burgess. — A tua mãe precisa de medicamentos. As lanternas precisam de petróleo. Nós precisamos de comida. Como o tempo está bom, é perfeitamente seguro sair no Puffin. — E se não voltares hoje? — perguntou Abbie. — Quem vai cuidar das luzes? O pai sorriu. — Tu, Abbie. — Nunca fiz isso sozinha. — Já preparaste as mechas antes — disse o pai. — Já limpaste as lanternas e colocaste o petróleo. A tua mãe está demasiado doente para o fazer. As tuas irmãs são ainda muito pequenas. Tens de manter as luzes acesas, Abbie. Muitos navios estão a contar com as luzes do nosso farol. Abbie seguiu o pai escada abaixo. Num qualquer outro dia, teria ido a correr.
Esta manhã, porém, sentia as pernas demasiado pesadas para conseguir correr. Caminharam ambos até à costa. O Capitão Burgess saltou para dentro do barco, içou a vela e afastou-se da costa. — Mantém as luzes acesas, Abbie! — pediu o Pai. — Claro que sim, papá! — assentiu Abbie. Abbie sabia que o pai era um excelente marinheiro. Que conseguia velejar com chuva e nevoeiro. Contudo, se o vento voltasse a soprar com intensidade, não poderia voltar a Matinicus Rock nesse dia. As ondas seriam demasiado altas para o pequeno barco. Então, Abbie teria de zelar pelas das luzes. Abbie olhou para as duas torres do farol, que pareciam tão altas como o próprio céu. A casa de pedra da família ficava entre as duas torres.
Não muito distante da casa, ficava o galinheiro. Abbie foi alimentar as galinhas. Atirou algum milho, que as galinhas, famintas, se apressaram a comer. E depois sentou-se numa rocha e ficou a observá-las. — Não comam tudo tão depressa, pois já não resta muito milho. Mas o papá vai trazer-vos mais. Abbie suspirou. — Espero que ele regresse a casa ainda hoje. Estou com medo de ter de cuidar das luzes sozinha. Patience deu uma bicada no sapato de Abbie. Hope virou a cabeça. Charity agitou as penas. Abbie sorriu. — Vocês fazem-me sempre sentir melhor. Abbie foi para casa.
A irmã Esther abriu-lhe a porta e perguntou: — Quando é que o papá volta? — Esta tarde — respondeu Abbie. — E se começa uma nova tempestade? — perguntou a irmã Mahala. — Não te preocupes — disse Abbie. — O papá vai chegar assim que puder. Vocês as duas vão depressa buscar uns ovos. Como está a mamã? – perguntou Abbie à irmã Lydia. — Ainda está demasiado fraca para se poder levantar — respondeu Lydia. — Ainda bem que o papá saiu hoje, porque ela precisa de remédios e estamos a ficar sem comida. — Então temos que fazer render a comida — disse Abbie. — Se houver nova tempestade, o papá não vai conseguir voltar hoje. Naquela tarde, Abbie ajudou Mahala a escrever cartas. Esther ajudou Lydia a fazer a ceia.
Todas ajudaram a cuidar da mãe. O céu ficou cinzento e o vento formou uma cobertura branca nas ondas. Era sinal de que vinha aí outra tempestade de inverno. Quando o sol se pôs, Abbie vestiu o casaco para ir acender as luzes. Subiu as escadas do farol e, quando chegou lá acima, olhou lá para fora. As ondas pareciam enormes colinas e o vento fustigava com chuva as janelas. Nem sequer conseguia ver a Ilha Matinicus. Sabia que o pai não ia poder regressar e sentia-se assustada. E se não conseguisse acender as luzes? Desejou que o irmão Benjy estivesse em casa. Mas ele estava longe, na pesca. Com as mãos a tremer, pegou numa caixa de fósforos. Acendeu um fósforo, que logo se apagou.
Acendeu outro, que se manteve aceso. Abbie colocou o fósforo junto da mecha da primeira lanterna. A mecha acendeu. A luz fez com que Abbie se sentisse melhor. Acendeu todas as lanternas, uma a uma. Deslocou-se em seguida para a outra torre do farol, onde também acendeu todas as lanternas. Lá fora, no mar, um navio viu as luzes e desviou-se para bem longe dos perigosos rochedos. Nessa noite, o vento soprou com força. Abbie não conseguia dormir. Estava sempre a pensar nas luzes. E se se apagassem? Os navios podiam despedaçar-se! Levantou-se, vestiu o casaco e subiu as escadas do farol mesmo a tempo. O gelo que se formara nos vidros das janelas não deixaria ver a luz das lanternas.
Durante toda a noite, Abbie andou escada acima e escada abaixo, raspando o gelo das janelas e verificando cada lanterna. Nem uma só se apagou. De manhã cedo, o vento ainda soprava e as ondas estavam encrespadas. Abbie apagou cada uma das luzes, limpou cada uma das lanternas e preparou as mechas de que iria necessitar mais tarde. Também acrescentou mais petróleo. Depois foi tomar o pequeno-almoço e, finalmente, foi deitar-se. Durante mais de uma semana, o vento e a chuva bramiram. A família chegou mesmo a ter de se abrigar numa das torres. Uma manhã, a água era tanta que passou por debaixo da porta. — As minhas galinhas! — exclamou Abbie. — Vão ser arrastadas pelo mar. — Não vás lá fora senão vais ser arrastada também! — avisou Lydia. Abbie pegou num cesto, decidida. — Não posso abandoná-las! — disse. Abriu a porta e saiu para a chuva. Foi com dificuldade até ao galinheiro.
Pôs Patience debaixo do braço e colocou Hope e Charity dentro do cesto. Mesmo nesse momento, ouviu o som de uma onda enorme a chegar. Parecia o som de um comboio! Abbie correu para a torre. — Abram a porta! — gritou. Lydia abriu a porta. Abbie correu para dentro. A onda despedaçou-se sobre Matinicus Rock e arrastou consigo o galinheiro. As meninas empurraram a porta para que se mantivesse fechada, mas uma onda atingiu-a em cheio. Abbie sentiu o farol a abanar. Dia sim, dia não, ou nevava ou chovia. Abbie estava cansada de vento, de ondas, de subir as escadas do farol. E estava farta de ovos. Então, um dia, as ondas pareceram ser mais pequenas, o céu menos negro e o vento menos forte. Ao fim da tarde, as meninas ouviram uma voz lá fora. Era o pai. Correram para o ajudar a transportar as caixas, nas quais havia medicamentos para a mãe, petróleo para as lanternas, correio, comida. E milho para as galinhas de Abbie… — Tive medo por ti — disse o pai. — Procurei as luzes todas as noites. Quando as via, sabia que vocês estavam bem. Abbie sorriu. — Eu mantive as luzes acesas, papá.
Peter and Connie Roop Keep the Lights Burning, Abbie Minneapolis, Millbrook Press, 1985 (Tradução e adaptação)