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“Campos do sexo” em Moçambique e Zâmbia preparam crianças para o casamento

Aulas com crianças incluem instruções práticas sobre sexo e exigem inserção de objetos no interior do corpo feminino

Crianças a partir de 8 anos são enviadas a “campos do sexo” em Moçambique e na Zâmbia para aprender detalhes sobre o casamento e, no caso das meninas, a satisfazer seus maridos. A informação é da ONG Child Not Bride, entidade formada por mais de 450 organizações de vários países comprometidas em acabar com o casamento infantil.

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Até 142 milhões de crianças vão se casar até o fim de 2020, diz ONG
Reprodução/Youtube

Até 142 milhões de crianças vão se casar até o fim de 2020, diz ONG

Em conversa com o iG, a ativista Maryam Mohsin explica que nesses locais, meninos e meninas passam por “cerimônias de iniciação” em que recebem aulas de cultura e tradições africanas, mas também instruções práticas sobre o sexo que exigem a inserção de objetos no interior do corpo feminino e até castigos físicos, quando as crianças e os jovens não executam bem uma tarefa.

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“Essas cerimônias se concentram principalmente na região central moçambiquenha, como na província de Zamzebia, e no norte da Zâmbia, e apesar de as aulas também terem o objetivo de preparar jovens para a vida adulta, têm gerado preocupação pela natureza fortemente sexual de suas cerimônias”, afirma. 

Por causa desse tipo de tradição, tanto Moçambique quanto a Zâmbia estão em posições preocupantes no ranking do Unicef, Fundo das Nações Unidas para a Infância, para as nações com maior número de casamentos infantis do mundo. Em Moçambique, 56% das meninas se casam com menos de 18 anos, o que coloca o país em quinto lugar entre os dez com os índices mais elevados. Já a Zâmbia ocupa a 15ª maior taxa do planeta, com 42%.

Maioria dos casos se concentra na África subsaariana e no sul da Ásia
Reprodução/Youtube

Maioria dos casos se concentra na África subsaariana e no sul da Ásia

No Níger, que lidera a lista, 75% das menores de idade se casam antes dos 18. Tanto o Chade quanto a República Centro-Africana ocupam a segunda posição da lista, ambos com 68%. Bangladesh é o terceiro, com índice de 66%. A maioria dos casamentos infantis ocorre na zona rural da África Subsaariana e no sul da Ásia. Neste último, quase metade das jovens e, na África subsaariana, mais de um terço delas se casam antes do 18º aniversário.

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Se os dados se mantiverem, até 2020 mais de 140 milhões de jovens com menos de 18 anos deverão se casar em todo o mundo – 50 milhões delas com idade inferior a 15 anos – estima o UNFPA, Fundo de População das Nações Unidas. “O casamento infantil é uma violação terrível dos direitos humanos e rouba educação, saúde e perspectivas em longo prazo desses jovens”, diz Babatunde Osotimehin, diretor executivo do UNFPA.

Ao analisar os dados, o professor de antropologia da Unesp (Universidade Estadual Paulista) Claudio Bertolli Filho sugere que como a noção de infância varia de acordo com os países, quase nunca levam em conta a qualidade de vida dos noivos. “A noção de criança como entendemos não é universal. Problemas como a baixa expectativa de vida, aliados a alianças familiares e ao pagamento do dote, vêm antes da qualidade de vida infantil”, avalia.

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Treinando para o casamento

Oficialmente, os organizadores desses campos afirmam que jovens na puberdade aprendem sobre higiene, tarefas domésticas e, no caso da mulher, como ela deve se portar em sociedade e diante da família durante os cerca de 15 dias que passam no local. Mas, segundo Maryam Mohsin, os ritos de iniciação incentivam o casamento precoce, já que crianças e adultos são levados a crer que, ao saírem dessas cerimônias de iniciação, estão prontos para se envolver em atividades sexuais. 

Veja fotos dos países com maior número de violência contra a mulher: 

Afeganistão: em 2011, Sahar Gul, então com 15 anos, foi espancada pela família do marido após rejeitar se prostituir. Foto: Reprodução/Youtube
Afeganistão: afegã com rosto marcado por ataque de ácido protesta contra execução pública de suposta adúltera (2012). Foto: AFP
China: por causa da política do filho único, Feng Jianmei foi obrigada a abortar aos 7 meses de gravidez em 2012. Foto: Reprodução/Youtube
Etiópia: até 85% da população feminina sofreu mutilação genital no país, diz OMS. Rito é prática em várias aldeias africanas. Foto: Reprodução/Youtube
Arábia Saudita: em 2011, ano em que as mulheres conquistaram o direito ao voto, Shaima Ghassaniya foi chicoteada por dirigir. Foto: Reprodução
Nepal: prostituição infantil é um dos maiores problemas no país. Até 7 mil meninas entram no setor todos os anos. Foto: Reprodução/Youtube
Somália: mulheres passam dias na fila para se instalar em Dadaab, maior campo de refugiados do mundo. Foto: Getty Images
Índia: 24.206 casos de estupro foram registrados em 2011. Maioria das mulheres tem entre 18 e 30 anos. Em 94% dos casos, o agressor é alguém próximo. Foto: Getty Images
Índia: mulheres são vendidas, casam-se a partir dos 10 anos e sofrem violência doméstica. Casos de queimaduras e trabalho escravo são comuns. Foto: Reuters
Paquistão: Mukhtar Mai foi condenada a estupro coletivo por anciãos de sua aldeia porque seu irmão se envolveu com mulher de outro clã. Foto: Getty Images
Paquistão: Iram Ramzan (E.), 10 anos, foi espancada pela patroa (D) até a morte. Mais de 12 milhões de crianças trabalham no país. Foto: BBC
Congo: congolesa não identificada foi estuprada por homens de milícia armada que ocuparam Livungi, onde ela morava. Estupros são arma de guerra no país. Foto: NYT
Congo: no país cujo IDH é de apenas 0,239, há 115 óbitos a cada 1 mil nascidos vivos e pelo menos 76% da população está subnutrida. Foto: Getty Images
Afeganistão: em 2011, Sahar Gul, então com 15 anos, foi espancada pela família do marido após rejeitar se prostituir. Foto: Reprodução/Youtube
 

“Em alguns casos, a economia também desempenha um papel importante nessas uniões, já que os pais veem nesses casamentos uma maneira de resolver seus problemas financeiros”, diz ela. 

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“Em Moçambique, por exemplo, as maiores taxas de casamentos infantis se concentram nas províncias onde os ritos de iniciação predominam.” 

É também nessas áreas que há um número significativo de jovens mães com sérios problemas de saúde, como fístulas obstétricas, devido a complicações no parto. Claudio Bertolli lembra também que grande parte das mulheres menores de idade acabam sendo escravizadas, abusadas sexualmente e são submetidas a toda e qualquer exigência do marido. “Além de os maridos se sentirem donos das mulheres, há relatos de parentes que abusam das meninas e também se sentem donos delas, fazendo das menores suas escravas.” 

Prática ilegal

Até 2020, mais de 140 milhões de jovens com menos de 18 anos deverão se casar em todo o mundo
Reprodução/Youtube

Até 2020, mais de 140 milhões de jovens com menos de 18 anos deverão se casar em todo o mundo

Os locais que praticam a iniciação sexual são considerados ilegais. Ainda assim, como a prática é uma tradição em muitos vilarejos, os “campos do sexo” acabam sendo mantidos e incentivados pelas próprias famílias das crianças.

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“A maioria dos meninos e meninas são encorajados e pressionados por suas próprias comunidades a participarem das cerimônias de iniciação”, explica.

Para acabar com a prática, o Unicef, em parceria com ONGs como a Child not Bride, tem resgatado crianças que são deixadas nesses locais por seus pais. Mas Maryam acredita que acabar com esse processo vai demorar, “uma vez que exige mudança na mentalidade” de vários setores sociais, como a polícia e os líderes comunitários. 

“Eles precisam sair do ‘estado de negação’ e reconhecer que o fim dessa prática vai contribuir para a eliminação do casamento de crianças em Moçambique”

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