Por Fernando Brito
Juca Kfouri, que se restabelece de um problema sério de saúde justamente em meio ao caldeirão que se tornou o futebol – mundial e brasileiro – nestes dias, publica hoje um texto de “memórias” sobre os personagens brasileiros deste “Fifalão”.
Lembranças que terminam com uma frase demolidora: ” o mundo das transmissões esportivas pode ser mais sujo e pesado que o das empreiteiras”
É impossível separar os muitos milhões que elas custam dos muito mais milhões que geram e dos vários milhões que, para consegui-las, se distribuem das gavetas para gavetas.
Por mais que seja cultivada entre nós – sobretudo os que amam o jornalismo esportivo, onde comecei, como estagiário, minha vida profissional – a esperança de que tudo se modifique, sabemos que o dinheiro é um Moloch e pode estar em curso – qualquer semelhança é mera coincidência, apenas uma mudança donos mundiais do futebol.
Preciosas, mesmo, são as gavetas da memória de Juca, das quais saem histórias do passado que ajudam a entender o presente. E a temer, sem que isso faça senão encorajar a luta destemida, pelo futuro.
Jogar o jogo
Juca Kfouri, na Folha
Já contei as três histórias aqui, separadamente.
José Maria Marin, então presidente da FPF, em 1985, depois de ter sido governador biônico de São Paulo, me garantiu, num voo para Assunção, que era impossível sair pobre do Palácio dos Bandeirantes.
Íamos ambos a um jogo da seleção brasileira contra a paraguaia pelas eliminatórias da Copa de 1986.
Dizia ele que independentemente da vontade do político, tudo que se fazia no Estado separava 10% ao governador e não seria ele a mudar tal estado de coisas.
Nunca antes eu estivera com Marin.
Dez anos depois, recebi a visita de J.Hawilla em meu escritório, pois eu acabara de iniciar minha carreira solo depois de 25 anos de Editora Abril. Roberto Civita me pedira para parar de criticar Ricardo Teixeira, porque eu inviabilizava que a TVA fizesse contratos com a CBF.
Hawilla dizia não aguentar mais ter de acordar antes dos filhos para pegar aFolha, e esconder deles, caso tivesse alguma coluna minha contando seus malfeitos.
Jurou que não era sócio de Ricardo Teixeira e garantiu que adoraria viver num mundo em que não fosse necessário comprar cartolas, mas que ele jogava o jogo.
Tínhamos até pouco tempo antes deste encontro uma boa relação. E ele me propôs ser sócio da Traffic.
Finalmente, em 1992, eu havia sido convidado para almoçar com o engenheiro Norberto Odebrecht.
Então, além da “Placar”, eu dirigia a “Playboy”, que fizera reveladora reportagem sobre as empreiteiras brasileiras, de autoria do repórter Fernando Valeika de Barros.
Era demolidora. Como ilustração, um muro de ouro, lama e sangue.
O fundador de uma das maiores construtoras do país foi direto ao ponto, após elogiar a exatidão do que havia lido: “Você acha que eu gosto de ter de pagar para bandido liberar o que os governos me devem?”
Antes de responder, me lembrei da conversa com Marin.
Ao responder, com a arrogância que caracteriza a nós, jornalistas, primeiramente agradeci o elogio feito à reportagem. E em vez de responder, fiz nova pergunta: “Mas por que alguém tão poderoso como o senhor não denuncia os bandidos?”.
“Porque eles acabam comigo e com milhares de empregos que mantenho no Brasil e no exterior.”
Não me restou outra saída que não a de dizer que por essas e por outras é que sou jornalista, não empreendedor.
Diga-se, a bem da verdade, que em nenhum momento da realização da matéria houve qualquer pressão por parte da Odebrecht, diferentemente do que fez a CBF para negociar direitos de TV com a Abril.
Tudo isso para contar que o mundo das transmissões esportivas pode ser mais sujo e pesado que o das empreiteiras.
Além de ter um charme, um glamour, ainda maior, uma gente esperta que, de repente, vai a Suíça e fica. Presa.
E também para insistir que ou se criam novos métodos de governança ou tudo seguirá na mesma porque o Homem, como se sabe, é um projeto que não deu certo.
Só nisso, Juca, faço-te um “meio reparo”. Ainda não deu certo, mas há de dar.