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ÁGUA QUE FALTA FAZ (MARCOS SOUTO MAIOR (*)

 

                                 Em passagem rápida pelo nordeste fervendo, enquanto completava o tanque de combustível do meu carro, um velhinho de rosto enrugado, roupa surrada e um sapato rasgado de tanto andar, estirou-me a mão grosseira e rajada com fissuras do tempo, ao pedir uma ajuda para matar a fome sua e dos familiares! Incrível, que nos anos 2014, os países subdesenvolvidos ainda são alvo de intermináveis guerras civis, matando uma enormidade de pessoas inocentes, sem saber o porquê da abominável matança.

                               Então, logo estendi minha mão, sem apertá-lo com a força natural usada, com medo de lhe fazer as fissuras abrirem impiedosamente. Fitei seus olhos no brando sentimento da confiança e da amizade. Dei um valor razoável, para chegar até a semana seguinte… Olhei para o chão seco, empoeirado e rachado pela falta do chamado ‘precioso líquido’. Paguei a conta do posto de diesel e segui viagem imaginando a triste realidade. Onde 1,1 bilhão de pessoas fazem necessidades ao ar livre, por falta absoluta de água potável, saneamento e condições de higiene. Ninguém ousa imaginar que alguém possa viver normalmente, sem água potável. Nestas condições a UNICEF sobressalta dizer que, a cada quinze segundos, uma criança morre com sede e com fome!

                               O confronto entre as guerras civis ávidas de soberbo poder, e a batalha pela negligência pública da sede e suas consequências são assemelhados, quer na duração do tempo, quanto ao número próximo de mortos! A subsecretária da ONU para assuntos humanitários, Valerie Amos, em recente visita à Síria, invocou a comunidade internacional das nações para acudir 9,3 milhões de sírios que passam fome e padecem de doenças. “Estou particularmente preocupada com relatos de pessoas morrendo de fome”, disse agitada, Valerie, na cidade de Damasco.

                               As batalhas intermináveis por água e alimentos, a exemplo do Banco Mundial, cujo presidente Jim Young Kim, em entrevista ao jornal inglês The Guardian, previu para daqui a cinco anos ou dez, o descontrole climático. Seria a ultrapassagem aos limites da tolerância das geleiras que aumentam o descongelamento a todo tempo. Realmente já sentimos na pele, e no bolso, a escancarada irresponsabilidade das autoridades de todo planeta, com abandono às obrigações da população.

                               Nosso Brasil, atualmente travestido de roupagem moderna, procura alcançar promessas acima dos milagres, onde a seca nordestina, verdadeiramente, é uma guerra sem trégua de água, comida e remédios! E não há quem consiga apagar as altas labaredas da guerra intestina dos brasileiros, oscilando entre a riqueza bilionária de uns poucos e a pobreza fatal e irrecuperável das remunerações públicas pagas, na forma de Bolsa Família, Bolsa Preso, Vale-Cultura e outras mais…

                               Em nosso sofrido nordeste, o sol continua muito forte, sua água potável é invisível, cada vez mais sendo reconhecida, para tornar-se o líquido do século, tal e qual as lágrimas do desencanto lavando o rosto da desilusão.

                                                                                                 (*) Advogado e desembargador aposentado