O João e a avó estão a passar duas semanas de férias no sopé do Pico Kogel. Na primeira semana, conquistaram a medalha de bronze da caminhada. Para a segunda semana, estavam a pensar na medalha de prata mas, para isso, têm de subir ao pico.
— Achas que consegues? — pergunta o João.
— Uns ridículos 1300 metros? — pergunta a avó. — Vais ver se não consigo!
O caminho segue por um arvoredo cheio de abetos e pinheiros. Nem reparam como o dia está quente. A avó avança devagar mas de forma constante, e não fala. Só às vezes espeta o dedo e aponta para um cume. Isso quer dizer “Escuta!”; o João põe-se à escuta e reconhece o matraquear de um pica-pau ou o chamamento de um pintarroxo: Tic-tic-tic!
Seguem exatamente as marcações verdes e brancas. Atravessam uma área destruída por uma tempestade que não está assinalada no mapa e descansam junto a uma alminha que o João descobriu. A alminha é formada por uma coluna redonda de pedra polida que segura um cubo de pedra com pequenos quadros pintados. Num deles está pintada uma salvação milagrosa.
João sorri ironicamente e diz:
— Olha para isto! Agora ficamos a saber quanto pesa um milagre: duas toneladas e meia de equilíbrio, no mínimo!
— De equilíbrio? — pergunta a avó, levantando-se do tronco onde estava sentada.
Anda à volta da alminha e percebe o que o João quer dizer.
No quadro pode ver-se um caminhante solitário, de gorro e cajado. Arrancado pela ventania, um abeto tão alto como um prédio de três andares está a cair por cima do infeliz. Porém, de uma nuvem de contornos dourados, sai um braço com uma manga azul e, dessa manga, uma mão estendida. O dedo indicador empurra para o lado contrário o pinheiro de duas toneladas e meia. Por baixo está escrito, numa letra floreada: O senhor Caetano agradece a Deus Nosso Senhor pelo salvamento na hora de grande aflição.
— Que bonito! — disse a avó. — Naquela altura, as pessoas ainda tinham a delicadeza de agradecer um milagre e de reconhecer o socorro. Hoje, no máximo, aparece no jornal: Como por milagre, o condutor saiu do carro em chamas,… etc…. Quando uma criança é salva, aparece: Pedro M., 7 anos, devia ter um anjo da guarda…
— Acreditas em milagres? — pergunta o João.
— Vejo-os todos os dias — disse a avó.
Ao fim de duas horas de subida, chegaram à cabana no cimo da montanha. João manda carimbar os passaportes de caminhantes com o carimbo da cabana e a avó encomenda sumo de maçã com gasosa e pão com presunto.
— Merecemo-los!
Sentam-se, satisfeitos e em silêncio, no banco de madeira em frente à cabana a olhar para o cume em frente, cheio de bétulas. A avó ergue o indicador e tem a alegria espelhada no rosto. João esforça a vista. Agora também já consegue ver. Entre os ramos escuros, não se reconhecem imediatamente, mas a mancha branca no pescoço e as asas com as duas riscas brancas identificam-‑nos: chapins pretos. A cabeça é preta, as penas cinzentas. Incansável e destemidamente, fazem ginástica ao longo dos ramos. Não têm, de certeza, mais de onze centímetros. João nunca viu chapins pretos em liberdade na natureza e não se cansa de olhar para eles.
A avó também olha.
— É a primeira vez na vida que estou a vê-los — sussurra.
— Também eu — murmura João.
Os chapins pretos não se incomodam com os dois ali, a sussurrar. A avó ousa falar um pouco mais alto.
— Tão minúsculos e tão vivos! — diz. — Um verdadeiro milagre!
— Um milagre com oito gramas, no máximo — diz João. — Devia erguer-se uma alminha e pintar um quadro com uma mão a sair de uma nuvem contornada a ouro e, por baixo dela, os chapins pretos. De cima, à direita, cai chuva ácida e da esquerda sobe o fumo das chaminés e dos carros. Mas os chapins pretos ainda encontram comida que chegue na sua floresta. Por baixo de tudo estaria escrito, numa letra floreada: João e a avó agradecem a Deus por ainda não terem desaparecido todos os chapins pretos.
A avó faz um aceno com a cabeça.
— Tira-lhes uma fotografia, para que mais tarde acreditem em nós!
João tira sete fotografias.
— Vamos já mandá-las revelar. E a mais bonita vou enviá-la à Sabina!