A natureza foi perfeita ao colocar cores em todos os recantos do mundo, evitando a prevalência do tom cinza tenebroso e amargo, que vem a ser uma mistura simples do preto com branco! Seria inimaginável a destacada convivência cinzenta com os homens da pedra lascada. Até porque, as plantas são verdes, as frutas maduras de tons amarelos, o mar encarrega de pintar azul, e o sangue do homem e dos animais, do vermelho. No mais, são misturas que fazem surgir artificialmente.
Importante os olhos reconhecerem as diversas tonalidades da vida em fator vital para ultrapassar as passadas no velho tempo! Já houve época em que as cidades interioranas do nordeste se dividiam entre o cordão azul e o cordão encarnado, sendo uma das atrações folclóricas dos festejos juninos. As moças namoradeiras se vestiam dessas cores, o pavilhão montado em plena praça pública da cidade, enchendo suas mesas para arrecadar bebidas e guloseimas da época! Bandinha municipal de música tocava pelas ruas da cidade, arrebanhando atrás um magote de crianças tentando manter o passo. No período de festas, os sábados seram do leilão, sempre com doação de pessoas mais abastadas.
Num belo dia, Zé Bolão, fazendeiro rico, vaidoso e barrigudo, gastou o tempo pelos lugares movimentados, como o cartório, a farmácia e a bodega do prefeito municipal. Desafiava qualquer um que topasse arrebatar a prenda do leilão: um peru cevado e bem temperado, com enchimento de farofa com azeitonas, bacon, passas e fios de ovos, para enfeitar a parte externa.
Chegou a noitinha e seu Zé Bolão fora o primeiro a se aboletar numa cadeira de braços, mandou juntar quatro mesas e respectivas cadeiras para animar. Usava um blazer com estamparia xadrezada, da grife do saudoso “Mário Fofoca”, com direito ao estilo calça “boca de sino”, sapato-tênis suado e fedorento, que completava o cheiro enjoativo do perfume que comprara, na promoção, no mercado municipal. Os mais chegados, ousavam passar por perto dele, mas sempre tinham motivação para não ficar. O nome pomposo do pavilhão era Netuno, sugestão do padre Luiz, que ensinou ser o planeta mais longe do sol. Já seu Bolão completou: “oia, meninos, a distância do calor é grande, e vocês pode torrar meus parafusos que tenho na cabeça”!
O locutor de vaquejada, soltando um brado de puro mau hálito, anunciou o pregão do leilão da festa: “Boa noite a todos. Vamo ficar calado porque senão ninguém ouve as pedra do leilão.” Nosso herói rechaçou todos os valores gritados pelo locutor. Finalmente, foi anunciado vencedor do leilão, seu Zé Bolão, se encostando numa galega, pernas bonitas, entretanto, de dentadura suposta, dando risadas que só uma hiena louca… Danado que o vencedor do leilão não imaginava qual o prêmio. E a meninada, liderada por Mané Doidim, arrodeou o campeão e, perguntado pelo peru na mesa central, e o premiado esbanjou orgulho: “Vão lá seus bostas, satisfaçam a fome comendo aquele peru goguento!” Em poucos minutos restaram: ossos, sobrecu, bico seco e pés da ave.
Com raiva de não ter sido avisado do leilão, seu Zé Bolão empurrou a meninada, chegou perto da mesa e virou tudo pelo chão. De quebra, ainda levou uns beliscões e puxados de cabelo pela sua patroa. E Nenem desabafou: “Devia ter ficado com você, safado, pois sou a legítima.” E Bolão complementou: “Eita, e agora tem mulher falsificada, é?”
(*) Advogado e desembargador aposentado