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FIM DE PAPO ( MARCOS SOUTO MAIOR (*)

          Na noite de uma terça-feira, não era normal a animação contagiante de todos que estavam em casa de amigo. Os músicos se esmeravam para passar o repertório e as bebidas davam no meio da canela. Inesperadamente, o espocar de fogos de artifícios e uma majestosa girândola foram ouvidos por todos, e saímos para o meio da rua, olhar para o céu mudando a tonalidade de cor, nesta noite especial!

Meu companheiro Lourival, próximo da brincadeira musical, passou a língua por cima dos dentes superiores, dando nítidos sintomas da marca do inevitável cansaço boêmico. Foi quando o tecladista arpeja para soltar pingos metálicos como se fossem pétalas de rosas a grudar nos instrumentos musicais, parecido com confetes multicolores dos carnavais.

As vozes altearam mais ainda o tom, cada qual conjugando seu tempo de verbo para formar um vozeirão dissonante acompanhando o embalo da gostosa batida da bossa nova, do forrozinho, do axé e outros ritmos. Alguns, como Arlindo, preferiram tamborilar na mesa e marcando o ritmo no pé e, depois de muito bater no chão, estirou a perna e disse: este meu sapato é novo e de couro alemão, gente…

Apesar de garçonetes servindo incansavelmente à vontade, na medida visível que elas também tinham vontade de entrar no embalo, contudo, estavam ali para ganhar o pão nosso de cada dia. Na alegria estonteante de satisfazer os convidados, nova rodada de pratinhos com castanhas de caju, azeitonas, amendoim torrado, biscoitinhos salgados e batatinhas de vários sabores, forravam a barriga para engolir as próximas doses.

 De repente, e mais do que inesperado, a pedido, a música brasileira cede espaço para um pedido extravagante: Smooth Operator, exagero musical inglês, versada em português pelo grande Eduardo Braga, seria assim: Operador Gentil. Por sinal, um nome sem impacto, senão no batuque diferente para adaptar à música na exigência da loura bonita, esvoaçante e de decote sensual, que se amostrava exibida pelo salão.

Como as horas da noite foram passando a jato, os cuidados eram esquecidos, jogando as garrafas e latas vazias debaixo das mesas, sem quebrar. O ritmo foi mais compassado, marcado por afinado atabaque com pele de carneiro do percussionista; o saxofonista completando espaços e o violão no contraponto tudo, em torno da magistral cantora convidada. O barulho das ruas trouxe mais barulho ainda, com engraçadinhos dando cavalo de pau buzinando estridente e insistentemente. Eram os veículos de outros lugares próximos começando na volta para o lar, vindos não sei de onde, nem para onde iam, com gritos de glória. O sol até já me fizera abrir bem os olhos, para que tivesse memória do que se passara… já era dia! Peguei a inseparável companhia do meu celular e, logo vi, perto de uma centena de chamadas e mensagens recebidas. A música ainda não havia terminado, e uns cachaceiros batiam palmas pedindo bis forçando o conjunto tocar novamente, como exigiu um cara de bigodão que enrolava nos dois lados da boca suja de tanto comer pastel de carne.

Tomei um susto com a pancada forte e final da banda encerrando. Vitor olhou para os amigos perguntando: afinal, o que se passou nesta noite gloriosa? Fazendo-me de doido eu retruquei: Oxente, cara! E não é a passagem do ano?! Assim, vimos que ‘virada de ano’ é mais simples quando se pode acontecer num papo final. Viva 2014!

                                                                       (*) Advogado e desembargador aposentado