‘O novo papa não teme mexer em vespeiros – a exemplo do Banco do Vaticano, infestado por bandidos de batinas’
Suas declarações contundentes, o despojo que o faz prescindir das opulências à disposição do chefe da Igreja e a coragem para mudanças dentro e fora dos portões do Vaticano casam com o que o mundo católico há muito desejava.
Desejo que, cá para nós, já nem se esperava mais que viesse a ser concretizado. Não sem razão, o catolicismo estava em franco encolhimento mundo afora, inclusive no Brasil, ainda considerado a maior nação católica do mundo, embora tenha perdido 1,7 milhões de fieis na última década.
Usei o tempo pretérito porque a multidão em Copacabana, calculada em mais de três milhões, sinaliza para um novo crescimento. E este fenômeno, concretizado, não pode ser debitado em outra conta que não seja a de Francisco.
O novo papa não teme mexer em vespeiros – a exemplo do Banco do Vaticano, infestado por bandidos de batinas. Ou ainda em searas delicadas que assombram o clericato, entre as quais as denuncias de pedofilia.
Para este papa, mais importante do que impor restrições aos métodos contraceptivos, que a quase integralidade de seu rebanho não assente, é garantir que os nascidos na fé católica tenham uma vida de dignidade.
E que, ao invés de exclusões, a Igreja deve incentivar a busca por Deus – incluindo no rebanho figuras historicamente perseguidas e banidas, a exemplo dos homossexuais.
Em suas orações de agradecimentos, porém, poucos católicos devem ter estendido as bênçãos para outro expoente da Igreja, responsável pela revolução em curso.
Não o fez porque já o apagamos da memória; já o abandonamos mentalmente.
Mas não deveria. Porque o cardeal Joseph Ratzinger é o responsável direto pela ascensão de Francisco.
Com sua renúncia, a primeira em 600 anos, Bento XVI mostrou visão estratégica. E muito humildade. Pouco comunicativo, sem jamais herdar o carisma de João Paulo II, ele soube sair de cena para que os fiéis pudessem, agora, comemorar o papa certo na hora certa.
Ratzunger entendeu, como poucos, o valor da renúncia – um entendimento que não é comumente apreendido em outras esferas do poder.
Eu conheço, e certamente você também, inúmeros casos – seja em comandos de empresas, seja na política – de pessoas incapazes de alcançar, e mimetizar, o gesto de Bento.
Apegados demais para se alienar do poder, se auto-proclamam eternos e insubstituíveis, quando só estão com a visão embaçada pela ambição, incapazes de enxergar que o tempo, na verdade, já acabou.
Estão mortos em vida. Diferente de Bento que, vivo, garantiu seu lugar na eternidade.