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Um Nguni sitiado em Campina Grande (Aos(as) organizadores da III CONAPIR e COEPIR-PB.)‏ Jair Silva ferreira ferreira [email protected]


negroNunca houve uma reunião preparatória para se debater a Conferência de Promoção da Igualdade Racial de Campina Grande com todo o conjunto de integrantes do Movimento Negro de Campina Grande, umbandistas, candomblecistas e capoeiristas. O MNCG representa um movimento social afro-brasileiro que este ano vai completar 27 anos de luta pelo desenvolvimento social, material e educacional da comunidade negra campinense, inclusive, sempre fomos parceiros do poder público municipal e estadual na realização de diversos projetos de combate ao racismo em nossa cidade. Fizemos em 2006 o Seminário Municipal de Combate ao Racismo na Educação e a I Jornada de Educação Afro-brasileira e Indígena, no ano de 2011, além de várias outras iniciativas de luta pelo fim das desigualdades étnicas como foi o belo Projeto Agosto Para Igualdade Racial do ano passado.

Parece-me, entretanto, que nessa nova gestão que governa a cidade de Campina Grande falta democracia e sobra descaso e falta de respeito com o real ativismo do movimento negro campinense, pois entreguei há quase  4 meses a esta mesma Prefeitura o  Projeto Agosto da Igualdade- 215 anos da Revolta dos Búzios- Homenagem ao Poeta Campinense Arnaldo Xavier, mas não consegui apoio do gabinete do Prefeito, da Secretaria de Esportes, Juventude e Lazer e da Própria Secretaria de Educação, sendo que esta última é a responsável pela organização da Conferência de Campina Grande, já que a nossa cidade não tem um órgão público específico para atender as demandas do nosso povo afro-campinense, embora Campina tenha 51% de negros e pardos na sua população. Detalhe: como podemos entender uma Secretaria de Educação  que deveria ter compromisso  com a  implantação da Lei 10.639\03 na Rede Municipal de Ensino, mas que não apoia um projeto como o nosso voltado para a formação dos educadores em africanidades, já que esse projeto pretende debater e refletir com a sociedade os 10 anos de criação da Lei 10.639\03. Como podemos aceitar, diante desse contexto, que uma Secretaria que se diz de Esportes, Juventude e Lazer não dê apoio para nosso projeto educacional e social, projeto este, que é o único da cidade que irá mais uma vez debater o genocídio da juventude negra e que conta com o apoio e solidariedade de parceiros do porte do Olodum, Ilê Aiyê, Fundação Cultural Palmares, SEPPIR, ADUEPB e SINTAB. Para não parecermos  injustos, reconheço que nessa Prefeitura aqui citada apenas a Secretaria de Cultura deu apoio para a realização do Projeto Agosto da Igualdade- 215 Anos da Revolta dos Búzios- Homenagem ao Poeta Campinense Arnaldo Xavier.

É vergonhoso saber e ter que registrar para a posteridade que a mesma Prefeitura que sinaliza agora para receber o  Plano Juventude Viva do governo federal e que quer debater com a sociedade o racismo, as políticas afirmativas e desenvolvimento para a raça negra, contraditoriamente, também é a mesma que me trata com descaso e indiferença  nesse debate sobre o destino da nossa população negra campinense. Nesse sentido, também posso dizer que o governo estadual do PSB não fica atrás em matéria de desrespeito ao Movimento Negro de Campina Grande e a minha digna história de luta contra o racismo na Paraíba, visto que mais uma vez o governo do senhor de engenho Ricardo Coutinho negou apoio para que pudéssemos trazer o cartunista Maurício Pestana para o Projeto Agosto da Igualdade- 215 Anos da Revolta dos Búzios- Homenagem ao Poeta Campinense Arnaldo Xavier. Já tinha cinicamente negado apoio quando não quis contratar a professora Arany Santana do Ilê Aiyê para esse mesmo projeto supracitado. E isso veio da Secretaria de Estado da Mulher e da Diversidade Hum ana, uma Secretaria que em tese deveria apoiar os movimentos negros que lutam pela equidade racial no estado. Entretanto, do pedido que fizemos para a contratação de Arany Santana o governo queria apenas garantir uma passagem aérea e um carro para a locomoção de uma das maiores guerreiras da luta contra o racismo do estado da Bahia e do Brasil.

Esse governo estadual, vale ressaltar, também já tinha negado apoio quando pedi uma passagem de avião para o eminente intelectual e Doutor em Ciências Humanas e em Etnologia Carlos Moore, no ano de 2011. Agora, volta a mostrar mais uma vez  com todas as letras e nuances para a sociedade paraibana que não tem compromisso com a promoção da igualdade racial, tendo em vista que não quis contratar a educadora Arany Santana e, por tabela, ainda preferiu ignorar os meus  22 anos de luta contra o racismo no estado, uma vez que não fui convidado para fazer parte  de  nenhuma subcomissão, muito menos da  própria “comissão estadual” de organização da Conferência Estadual de Promoção da Igualdade Racial da Paraíba.

 O Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial da Paraíba-CEPIR-PB, nesse contexto, permanece omisso e calado diante de tanta retaliação que venho sofrendo por parte do governo do senhor de engenho Ricardo Coutinho, a ponto desse mesmo governo estadual ter feito uma nota que foi publicada no site do Geledés na intenção de desmentir as minhas críticas a um governo que pouco faz no combate ao racismo e que ainda boicota e tenta distorcer a minha luta  histórica na Paraíba para garantir a cidadania plena aos afrodescendentes, dizendo de forma leviana e mentirosa no site do próprio Geledés que as minhas críticas  eram feitas  para “negar, invisibilizar e diminuir” as ações do governo em prol da promoção da igualdade racial. Que ações são essas que o nosso movimento negro não consegue encontrar em Campina Grande?

 Com relação ao processo nebuloso e pouco higiênico de organização da Conferência de Promoção da Igualdade Racial de Campina Grande, pode-se &n bsp;notar o quanto esse  processo político está repleto de vícios e como essa mesma Conferência está sendo encaminhada de forma autoritária, excludente e antidemocrática, tendo em vista que não foi de interesse do poder público e de seus asseclas divulgarem para a sociedade civil onde e como seriam feitas as reuniões de organização desse importante evento, cujo objetivo é buscar mecanismos e ações políticas e sociais que possam gerar  desenvolvimento e empoderamento da população negra, por meio da adoção de políticas públicas e afirmativas. Na verdade, tudo foi feito na surdina e de forma sorrateira na Secretaria de Educação da Prefeitura Municipal de Campina Grande e com a  total conivência de dois membros do Conselho Municipal de Educação, integrantes do Movimento Negro de Campina Grande. Tudo orquestrado, evidentemente, com a clara intenção de excluir  Ana Lúcia e Jair Nguni  da organização desse evento e diversos outros segmentos da cultura afro-campinense que jamais foram convidados para fazer parte da  organização de tal Conferência. Posso afirmar essa verdade e denunciar esses fatos repugnantes, pois estive conversando com vários capoeiristas e pessoas ligadas à luta contra o racismo em nossa cidade. Essas pessoas me confirmaram, infelizmente, que não estavam sabendo de nada sobre o processo de construção da Conferência.

A  falta de transparência política é tão grande, aliada a falta de seriedade e honestidade na forma de se conduzir o processo de estruturação da Conferência que não tem como ficarmos calados diante dos fatos. Por exemplo, o Decreto chamando a sociedade civil para a Conferência  e que tem que ser feito pelo Prefeito até agora não foi publicado no Semanário, o que denota  incompetência ou falta de vontade política em  não querer  que a sociedade  tome conhecimento da importância de uma Conferência como essa para 51% da população de Campina Grande, formada na sua grande maioria por negros e pardos. Ora, outras cidades bem menores em população e com pouca tradição nesse debate sobre racismo e políticas afirmativas já fizeram a sua Conferência de Promoção da Igualdade Racial, a exemplo dos municípios de  Tavares e Esperança. Outras cidades irão fazer bem antes de Campina Grande neste mês de julho como as cidades de Pombal, João Pessoa, Cajazeiras, Guarabira e Picuí. Estranhamente, a “cidade da inovação” como agora é chamada  Campina Grande pelo grupo político Cunha Lima marcou a sua para fazer no dia 27 de julho no auditório do Colégio Estadual Elpídio de Almeida- o conhecido gigantão do Bairro da Prata. Por que não saiu até agora o Decreto? Por que não se fez um seminário preparatório como outras cidades fizeram no Brasil?

Pelo fato de eu ter percebido que manobras  políticas  carcomidas estavam sendo feitas para me excluir e excluir também a maioria dos setores que representam a diversidade afro-brasileira em Campina Grande. Decidi mandar um E-mail para a “comissão estadual” de organização da Conferência Estadual de Promoção da Igualdade Racial da Paraíba, pedindo que se fizesse uma reunião urgente com o Movimento Negro de Campina Grande e integrantes da cultura afro-campinense. Entretanto, a minha luta para democratizar esse debate e ampliar a participação popular na Conferência  da minha cidade de nada adiantou, pois não fui atendido pelos integrantes da “comissão estadual”, o que fez com que os “éticos organizadores” daqui tivessem total liberdade para fazerem como eles querem  a Conferência Municipal de Promoção da Igualdade Racial de Campina Grande. Portanto, a omissão da “comissão estadual” da COEPIR-PB  foi decisiva e contribuiu claramente para me excluir de ambas as Conferências.

Ao perceber esse total descaso dos organizadores da Conferência estadual com a minha situação, preferi  não participar da Conferência municipal como forma de protesto contra essa forma excludente, antidemocrática e sorrateira que os organizadores da Conferência de Campina Grande encontraram para deixar de fora quem neste momento se prepara para construir uma biblioteca de matriz afro-brasileira em uma comunidade quilombola, por entender que os dados do PNAD sobre os quilombolas não envergonham a classe política paraibana. Compreendam que não posso aceitar calado que 75% dos quilombolas do Brasil vivam na extrema pobreza e que 24,81% deles(as) sejam analfabetos, sem que a minha m ilitância combativa, vitoriosa, pró-ativa e autenticamente quilombista faça algo para acabar ou minimizar essa triste realidade social e educacional de tantos irmãos e irmãs quilombolas. Por outro lado, enquanto muitos apresentarão nas Conferências propostas e teorias para melhorar  a vida dos quilombolas, com certeza, estarei em breve com as bençãos de Zâmbi melhorando de forma concreta a vida de uma comunidade quilombola paraibana, visto que sempre acreditei que o melhor caminho para vencer o racismo é investir na educação da nossa população negra.

Por fim, quem tem o discurso e a força moral como tenho para dizer que jamais vou compactuar com tais manobras obscuras, geralmente feitas com o propósito de humilhar, desqualificar e desacreditarum  Nguni que este ano  completou 22 anos de luta contra o racismo, apesar de me sentir verdadeiramente sitiado num momento tão importante como esse para a história da população negra paraibana. Assim sendo, diante da evidência dos fatos, não poderia ficar calado sem dar uma resposta a altura para esses(as) organizadores dessas duas Conferências aqui mencionadas. É que o Ilê Aiyê me ensinou a seguinte canção para ensinar a vocês: “eles pensam que pode apagar nossa memória. Não desisto, pois eu sou um negro quilombola.”