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Blog do Vavá da Luz

   Sobre mulher bonita e sozinha (  Damião Ramos Cavalcanti )        

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          Há quem cante, de repente, canção da sua preferência, como canto agora Eu quero botar meu bloco na rua, desmentindo: Que perdi a boca; que sinto medo da rua; que fugi da briga; que não sei de nada e que quero isso ou aquilo, sem medo de Durango Kid e que não é nada disso; quando o que canto é a liberdade de gingar, brincar “pra dar e vender”… Em voz alta ou baixa até que, enjoado ou aborrecido, alguém reclame: “Basta, pare com isso”. Mas se estivesse sozinho, sem o leitor, continuaria cantando…
         Penso que estar sozinho já é liberdade sobre aquilo que se deseja, e se se deseja o que é proibido, parece desafiar suas forças e limites para obter o proibido, mesmo que se trate dos limites religiosos, sociais e morais; e o desejado se torna mais atraente, como é culturalmente “o fruto proibido”, que provoca e ativa a libido, que elabora razões para anular ou desfazer a proibição. Nesse sentido , há muito tempo, raciocinou-se  a não obrigação do celibato, imposta pela Igreja ao exercício do sacerdócio, como indispensável renúncia marital, quando a missão dada foi sempre apenas: “Ide e ensinai a todas as gentes”. Porque a messe é grande e poucos são os operários. Por isso, sem exigências, havia apóstolo casado e não casado, o próprio líder Pedro era casado, evangelizar era o ideal superior. Também pouco importava se os homens, pescadores, fossem sozinhos,  bonitos ou não…   

          O rigorismo se iniciou no Século IV, 306 d.C., na Espanha, mais precisamente no Concílio de Elvira, quando se estabeleceu a regra da abstinência sexual para bispos, padres e diáconos, mas então não ainda adotada como regra universal ao catolicismo. Então, no Século XI, a Reforma Gregoriana revigorou tal determinação para impedir que os herdeiros recebessem herança dos seus pais clérigos. E, finalmente, como regra universal, o celibato foi adotado pelo I Concílio de Latrão em 1123, e reiterado e reforçado em 1139, pelo II Concílio de Latrão, que rigorosamente  invalidou os casamentos clericais até então existentes. Hoje, o celibato se aplica na Igreja Católica, menos nas Católicas Ortodoxas Orientais e na Igreja Ortodoxa, que permitem ordenação de casados; porém, escolhendo as autoridades eclesiásticas quase somente entre os solteiros celibatários.
         Enquanto isso ainda persiste, muitos padres se afastaram das suas funções e se casaram, e também um forte movimento se formou para que o celibato seja facultativo, ideia com a qual já comungam muitos bispos e alguns cardeais. Contudo, os não celibatários ainda não se organizaram, tampouco colocaram seu bloco na rua.
          Numa modalidade sui generis, quem pôs seu bloco na rua, com um grito de independência, foi a cronista e poetisa Sônia Lupion Ortega Wada, no Recanto das Letras, com o belíssimo e sutil texto Mulher bonita também pode estar sozinha e Feliz, com supina liberdade para viajar, brincar, dançar e gingar, sem pedir deferência ou desculpa a algum companheiro. Sozinha, como celibatárias ou celibatários, mas sem ser celibatária, decide “ser inteira e sozinha”, poder ir e vir sem constrangimentos, dispensando decididamente a companhia de quem queira ser apenas “namorado, marido ou ficante”… Sônia se declarou muito explícita, ao concluir que a sincera amizade sempre será bem-vinda.
         O corpo, que será pó ou caveira, tem, no lugar dos olhos, dois fundos buracos, aos quais o poeta Gregório de Matos  dedicou esses versos: “Ó tu, que me estás olhando, / Olha bem, que vivas bem;/Porque não sabes o quando/ Te verás assim também.”  Sem que haja sentidos, sexo, tampouco celibato, a caveira, sem carne, sentenciará o veredicto.   

DESTAQUE: Sônia se declarou muito explícita, ao concluir que a sincera amizade sempre será bem-vinda.
 

Damião Ramos Cavalcanti

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