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Blog do Vavá da Luz

Cláudia Cabral e a vitória da cidade sobre a pressão do concreto

Em tempos em que o interesse econômico costuma falar mais alto do que o interesse coletivo, João Pessoa viveu um raro — e necessário — momento de afirmação da legalidade, da Constituição e da vontade majoritária da sociedade. A manutenção da Lei do Gabarito, após a decisão do Tribunal de Justiça da Paraíba que derrubou a tentativa de flexibilização da LUOS, representa uma vitória da cidade, da democracia urbana e do direito à paisagem, à ventilação e à qualidade de vida.

Essa vitória tem nome e sobrenome: a atuação firme, técnica e persistente da promotora Cláudia Cabral, do Ministério Público da Paraíba. Não se trata de personalizar uma causa, mas de reconhecer que instituições só cumprem seu papel quando pessoas assumem a responsabilidade de fazer valer a lei, mesmo sob pressão.

A chamada Lei do Gabarito não é um capricho ideológico, nem um entrave artificial ao desenvolvimento. Ela está prevista na Constituição do Estado da Paraíba e estabelece limites claros para a verticalização da orla, justamente para proteger um dos maiores patrimônios da capital: sua relação equilibrada entre cidade e natureza. Trata-se de uma norma que existe para evitar que João Pessoa siga o caminho de outras capitais onde o mar foi literalmente encoberto por paredes de concreto.

Ao tentar flexibilizar essa regra por meio da Lei de Uso e Ocupação do Solo, o município avançou sobre um território que não lhe pertence: o da hierarquia constitucional. O Judiciário foi claro ao afirmar que uma lei municipal não pode se sobrepor à Constituição estadual, sobretudo quando o tema envolve proteção ambiental e ordenamento urbano. Ao reconhecer a inconstitucionalidade do artigo que abria brechas para prédios mais altos na orla, o Tribunal restabeleceu o óbvio: a lei maior deve ser respeitada.

Mais do que uma disputa jurídica, o episódio revelou algo ainda mais importante: a posição da sociedade. Pesquisas, manifestações públicas, debates e o próprio sentimento coletivo demonstram que a maioria dos pessoenses não quer ver a orla transformada em um paredão de edifícios. A população compreende que desenvolvimento não é sinônimo de adensamento descontrolado, nem de submissão irrestrita ao mercado imobiliário.

Nesse cenário, a atuação do Ministério Público, e em especial da promotora Cláudia Cabral, foi decisiva. Ao fiscalizar, questionar, judicializar e sustentar tecnicamente a defesa da Lei do Gabarito, o MP cumpriu sua função constitucional de guardião do interesse público. Não se curvou a pressões políticas nem econômicas, tampouco cedeu à narrativa de que proteger a cidade seria “atraso”.

A tentativa posterior do município de revogar apenas um artigo da LUOS é, na prática, o reconhecimento de que o erro existiu. Mas a decisão judicial vai além: ela deixa claro que não se pode contornar a Constituição por atalhos legislativos. A cidade não pode viver sob permanente insegurança jurídica, com regras urbanísticas que mudam conforme a conveniência do momento.

Parabenizar Cláudia Cabral é, portanto, mais do que um gesto individual. É reconhecer a importância de instituições que funcionam, de servidores públicos que resistem e de uma sociedade que, mesmo silenciosa, não aceita perder aquilo que a torna única.

João Pessoa venceu porque a lei venceu. E quando a lei vence, vence também a cidade, sua paisagem, sua memória e seu futuro.

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