O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), mantém como assessor parlamentar em seu gabinete um funcionário que, segundo moradores e ex-trabalhadores da região, atua como caseiro em sua fazenda localizada no município de Serraria, interior da Paraíba. A Câmara dos Deputados ainda não se pronunciou oficialmente sobre o caso.
O nome do assessor é Ary Gustavo Soares, que está registrado como secretário parlamentar desde 2019, com salário e benefícios que somam R$ 7.200 mensais, pagos pela Câmara dos Deputados. O cargo exige dedicação exclusiva e jornada de 40 horas semanais, conforme normas da Casa. No entanto, testemunhos colhidos pela reportagem indicam que Ary passa os dias úteis na fazenda de Motta, onde exerce funções típicas de um caseiro.
A propriedade rural, comprada por Motta em março de 2023 por R$ 2,7 milhões, está registrada em nome da empresa Medeiros & Medeiros Ltda., pertencente à esposa e filhos do parlamentar. O local abriga a Agropecuária Tapuio, empresa vinculada ao deputado.
Funcionários da região, vizinhos e técnicos agrícolas confirmaram que Ary é o responsável por autorizar entradas na fazenda, supervisionar atividades e transmitir ordens aos demais trabalhadores. Um ex-tratorista da fazenda, Antonio da Costa, relatou que recebia instruções diretamente de Ary e que este dormia na casa principal da propriedade durante a semana, retornando a Patos nos fins de semana.
Costa moveu uma ação trabalhista contra a empresa de Motta após ser demitido sem registro formal. Ary atuou como representante da fazenda no processo, que resultou em uma indenização de R$ 18 mil ao ex-funcionário.
Apesar das exigências legais que proíbem o acúmulo de funções incompatíveis com o cargo de secretário parlamentar, Ary também é apontado por políticos locais como motorista de Hugo Motta em Patos, cidade natal do deputado, nos fins de semana.
A reportagem tentou contato com Motta por meio de sua assessoria desde o dia 13, mas não obteve resposta. Ary também se recusou a falar com os jornalistas, afirmando que qualquer questão relacionada à fazenda deveria ser tratada diretamente com o deputado.
Além de Ary, outros membros de sua família ocupam cargos públicos ligados ao grupo político de Motta. Sua esposa, Isabella Perônico, está lotada no gabinete da ex-deputada Francisca Motta, avó do presidente da Câmara, com salário de R$ 14,3 mil. Já seu irmão, André Guedes, é superintendente da PatosPrev, órgão previdenciário municipal, com remuneração de R$ 13 mil mensais. A nomeação foi feita pelo prefeito Nabor Wanderley, pai de Hugo Motta.
Este não é o primeiro caso envolvendo o gabinete do parlamentar. Em julho, a Folha de S.Paulo revelou que três funcionárias registradas como assessoras não exerciam atividades parlamentares. Após a publicação, duas delas foram exoneradas. A terceira permanece no cargo.
A legislação da Câmara estabelece que os secretários parlamentares devem atuar exclusivamente em funções relacionadas ao mandato, sendo vedado o exercício de atividades privadas ou em horários incompatíveis com a jornada oficial. A situação de Ary Gustavo Soares levanta dúvidas sobre o cumprimento dessas normas e reforça questionamentos sobre o uso da verba de gabinete, que pode chegar a R$ 133 mil mensais por deputado.