Era sempre uma novidade diária, dessas de brincar com a saudação.
Descendo do carro, trânsito interrompido na avenida, já exigia o seu lugar — lá no balcão.
O tira-gosto de sempre, um uísque, e a conversa — longe dos jornais, regada ao cenário ofertado pelo sol de hoje ou pela lua de ontem.
Sem mágoas ou rancor, falava de planos milenares.
Não raramente, era consultado — ou consultava — os nossos mais evidentes doentes, recomendando amenidades, mas nunca ausências ou abstinências. A medicina lhe era íntima desde a adolescência — senão da infância, ou do DNA.
Quase todos, àquelas eras, usavam o traslado doméstico. Esse, sim, vinha carregado de queixas, avisos de cuidados, quando não de alternativas à desistência daquele ambiente — infestado de amigos.
A simetria do Bar eram os velórios ou missas, nas igrejas próximas: onde nos despedíamos, não das almas, mas dos corpos de companheiros (esses que dividem o pão). Até as conversas tidas e havidas ficavam “moteando” os papos ou como epígrafes de novas teorias. Os bares são laboratoriais.
Com o tempo, aprende-se que, no Bar, não há espaços para mentira — nem para verdade. Como também não há para mágoas ou diferenças, afora as que a natureza nos marcou.
Mesmo assim, não há despedidas.
O cenário era tão comum que tudo era uma novidade instantânea, como naquela imagem do paraíso, segundo Frei Joãozinho: “Todo instante era diferente!” Não havia monotonia.
Cuidados com taxas todos temos — se as taxas são governamentais. As taxas que avaliam o corpo, essas pouco importam, quando a parábola dos anos toma a curva descendente, deixando ao vivente a contemplação de tudo.
Na confraria, a vida é eterna, porque é impossível à morte vencer a memória. Como é impossível à memória coletiva apagar, do quadro pleno, as marcas de quem viveu — especialmente à visão do Altíssimo.
…
Entretanto, aquele carro parado em frente ao Bar, em um domingo de Dia dos Pais, lembrava alguém. Mas a confraria pouco liga para carros; é o que passa na rua.
O diferente era que havia duas pessoas, visivelmente, chorando dentro do carro.
No Bar, a solidariedade é uma continuação da convivência. Lá só se vive dependendo um do outro — nem que seja para afastar o banco.
Cleber foi lá e perguntou se as pessoas, uma senhora e uma garota, precisavam de alguma coisa.
Elas responderam, em uníssono:
— Só queríamos que ele estivesse aí.
Nesse dia, choramos. Mas ele ria em espírito.