Não sei onde ficaram guardadas as lembranças da casa da minha mãe, Badia. Entretanto, sempre que alguém se refere ao ambiente desses meus primeiros anos guardados no meu involuntário esquecimento, sou tomado por uma emoção muito forte ao tentar forçar o arquivo da memória. Ainda não consegui ter acesso, mas vou reconstruindo um universo paralelo para conferir em algum céu, quando, se merecer, chegar — e ser reconhecido pela luz.
Outro dia, Toinho de Joca foi falando de Jatobá e destacou a nossa casa (a Casa do Corredor do Céu), pelas imagens de papai e de Mainha. Avisou-me, inclusive, que a irmã dele, Socorro, que mora, como eu morei, em Brasília, tinha lembranças mais adocicadas de D. Neuzinha. Creio que esses episódios me ocorrem por alguma razão (se é razão) fora do meu controle; até parece que se servem à formação do cenário de peças que encerrarão a minha própria história — de nascimento a renascimento.
Após a missa e o terço, eu liguei para Socorro. Ela foi me recuperando os sentidos no tempo. Falou que foram ela e o irmão, Zé de Joca, lá em casa, para um tratamento dentário com o ‘Doutor’, porque o pai deles, Seu Joca, disse que o ‘Doutor’ era muito bom — e leve com a mão. Disse-me Socorro que, ao chegar lá em casa, eles foram anestesiados pelo cheiro sublime de um bolo que se fazia na cozinha, onde estavam Dona Neuzinha e a irmã dela, Dona Fransquinha (a minha tia Fanguinha).
Do tratamento, eles não têm quase nenhuma memória dolorida, mas o bolo ficou guardado — até para outras oportunidades, como as de quando vinham da escola ou da igreja, e o ar da rua parecia incensado da cozinha de Mainha.
Ela falava pintando um quadro, e as minhas lágrimas chegavam à boca com um gosto diferente; nem sei se do bolo. Mas percebo que as chaves estão voltando para mim — e eu acuso o recebimento, às proximidades do termo final dos dias.
Socorro me disse que carrega um nome familiar: “de Jesus”, que tem uma história que ela precisa me contar. Nesta conversa futura, eu devolverei a história do nome de família que pus nos meus filhos — e netos.
De Seu Joca, contam os meus irmãos mais velhos: ele era o senhor da Loja da Esquina, após o mercado, que trazia uns fardos de tecido para Badia, que tinha mania de não sair de casa, ver — para comprar.
Fui deixar o meu livro na casa de Socorro. Espero que, ao abrir o envelope, o cheiro de bolo de Mainha tenha me apresentado:
— Leia, minha filha. O escritor é meu filho, Irapuanzinho.