Nos idos da juventude, cantava Água de beber, da famosa dupla Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, com seu belo refrão: “Água de beber, camará!”. Naqueles dias, nunca me veio a curiosidade de procurar o que significava tal vocativo: “Camará”, o que procuro conhecer, sempre quando visito a Barragem de Camará, cuja inauguração, em 2002, teve a minha presença em companhia dos amigos Wilson Marinho e Gonzaga Rodrigues que fez conosco tournée recordativa pelos bares da sua cidade, Lagoa Nova. Gonzaga, famoso cronista, então, nas lembranças de menino e adolescente, naquele município, não parou de nos fazer crônicas orais sobre sua infância e adolescência, e da sua vida de peralta. Camará se deita nas terras dos sítios Bálsamo, Engenho São Luiz e Sítio Pedra d´Água, região bem conhecida pelos confrades Samuel Duarte, João Lélis, Pedro Gondim, Carlos Romero, Gonzaga e Wills Leal, filhos de Lagoa Nova, que dão fama ao seu berço natal, entorno da beleza da Barragem Nova Camará.
O termo camará do latim (lantana camara), que talvez se originou desse arbusto ornamental já existente na Sicília, espalhado pela região de Reggio Calabria, parecida com as terras daqui, onde há, coincidentemente, essas plantas e serras que contêm as águas da represa. Contudo, não sei por qual razão dicionaristas, como Coriolano de Medeiros, atribuem-lhe origem indígena; provavelmente em razão do acento agudo no último ‘a’, fonia muito escutada na fala dos nossos índios, conterrâneos desses arbustos da família das verbenáceas, de folhas rugosas e reticuladas, que emolduram flores brancas, violáceas ou vermelhas. Há várias denominações que alteram o termo camará: Cambará-verdadeiro, cambará-vermelho, e as que lembram os dias da inundação devida ao arrombamento da represa, que lavou ruas até da mais distante Alagoa Grande, terra de Jackson do Pandeiro. Há Cambará-de-chumbo e cambará-de-espinho; atualmente, com a reconstrução da barragem, refloriu o cambará-de-cheiro…
O ex-governador Ricardo, ao reinaugurar a represa , preservava seu gosto pela bossa-nova; e talvez tenha tido companheirismo em saudar o povo de Alagoa Nova, São Sebastião, Matinha, Lagoa Seca, Puxinanã, Remígio, Esperança, ecoando em Areal, Arara, Montadas, Algodão de Jandaíra e Serraria: “Água de beber, camará”; camará que advém da corruptela de camarada, do espanhol, com o sentido cantado por Jobim e Vinicius e dançado pelos que lutam capoeira: “Água de beber, camará”: – Água para beber, companheiro! Por isso, Barragem Nova Camará…
No Dicionário Antológico da Cultura Afro-Brasileira, de Eduardo Fonseca Júnior, que nos honrou, indo conosco, quando eu era Diretor Presidente do Iphaep (2009), tombar o Sítio Acais, do culto a Jurema, em Alhandra, explica que camará é um substantivo que dá nome à “erva de Obaluaiê e Exú, ou o mesmo que cambará”. Ainda que “camarada”, em Yorubá, significaria “elegbé” e não camará. Por sua vez, “cambará é uma erva pertencente aos Orixás Obaluaiê e Exú, usada nas oferendas e rituais dedicados a esta entidade. Essa erva é empregada no tratamento de asma, tosse e coqueluche. Parte usada: folhas, por infusão.”
Não sei totalmente o que poderá dizer camará. Mas o conhecimento nunca preenche o saber, que bem parece um poço muito profundo ou um oceano sem fundo, cuja profundeza explodirá qualquer pretensa curiosidade. Enfim, o saber das palavras não conhece, totalmente, em cada circunstância da palavra pronunciada, seus significados e seus significantes.