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O Le(n)ão

Não existem uísques no gole, salões de beleza e jantares — de graça.

O símbolo do cobrador de tributos, no Brasil, é um Leão: forte, nobre, justo. Balela. Aqui, o Leão não caça: explora. Virou Lenão institucional, proxeneta da República. Vive à espreita dos prazeres alheios — para tributar, vigiar e redistribuir entre os seus. Afinal, Colbert já dizia: a arte de tributar consiste em depenar o ganso de forma a obter o maior número possível de penas com o menor número de grasnidos.

Na Roma Antiga, a cafetinagem era lei. Literalmente. Havia dois impostos clássicos sobre o sexo:

Vectigal stupri – taxa sobre o ato sexual venal, paga pelo cliente ou prestador;

Vectigal meretricium – tributo pago pelos profissionais do sexo, que deviam se registrar.

Roma nomeava e tabelava os corpos com precisão tributária. Por exemplo:

Meretrix – prostituta registrada, oficial, tributada.

Lupa – prostituta de rua, vulgar, que atuava nos lupanaria (bordéis).

Delicata – cortesã de luxo, educada, musa de poetas e políticos.

Scortum – a “carne barata”; termo ofensivo para qualquer mulher vendida.

Quadrantaria – cobrava um quadrante: o menor preço sexual conhecido.

Copae – garçonetes que serviam vinho e prazer nas tavernas.

Ambubiae – musicistas estrangeiras, que encantavam com sons e corpos.

Entre homens e rapazes:

Exoletus – o já “usado”, prostituto envelhecido precocemente.

Catamitus – jovem amante passivo, o “Ganimedes romano”.

Spintria – rapaz especializado no sexo passivo, moeda viva do Império.

Cinaedus – efeminado, insultado e cobiçado.

Delicatus – escravo “de luxo”, afeminado e preparado.

Puer – o escravizado, de uso sexual nos prostíbulos.

E, claro, o Leno – o cafetão. Aquele que explorava e organizava o desejo alheio. Hoje, chamamos isso de Receita Federal.

Já existe o TAXXAD — típico cafetão de planilha. E ele não desmente. Governa por despesa antecipada e sai catando receita como velhaco que compra fiado e manda o neto cobrar. Seu fetiche não é o povo feliz — é a arrecadação.

Como todo bom explorador, o Estado brasileiro não assume o serviço, mas exige o lucro. Controla o corpo dos outros — de quem vende e de quem compra — e ainda escolhe o lado da cama: o que dorme em berço esplêndido, ou o que sua no colchão fiscal.

Diz a lenda — e as lendas, como os impostos, são difíceis de derrubar — que a palavra LARÁPIO vem da rubrica de um cobrador romano: Lucius Antonius Rufius Apios. Eu, por mim, prefiro crer. Porque há mais verdade na caligrafia de um canalha do que em mil leis votadas à pressa.

Se a sanha arrecadatória não cessa, deixo à ideia: basta pôr o pessoal do governo a vasculhar os sites de “acompanhantes”. A cada anúncio, um boleto. A cada gemido, uma guia: PIX, CPF, QR Code, no lupanar.

Nasce assim o Vectigal Digital, com a eficiência que só um Le(n)ão estatal pode oferecer. Outras atividades assemelhadas, que se exigem imunes à tributação, podem ser alcançadas pelo novo tributo.

Já se imaginam os efeitos tributários colaterais sobre meizinhas, remédios e feitiçarias estimulantes. Os produtos usados para esse fim teriam, ipso facto, acréscimo nas taxas.

Mas o governo vai dizer que o tributo servirá para estudos de casos de doenças venéreas e psico-sociais. Como todo bom sistema fiscal, o novo Vectigal Digital será progressivo: quanto maior o esforço, mais imposto se paga. Afinal, prazer exige contrapartida — e Roma já ensinava que quem se deita com o Estado, amanhece tarifado.

Graduação Tributária das Posições:

Posição básica (Recumbentia)

— tarifa simbólica. Sexo deitado, sem invencionices. Categoria “mínimo existencial do desejo”.

Mulher por cima (Femina superposita)

— alíquota intermediária. Já indica ousadia e autonomia corporal. Alerta fiscal amarelo.

Canina (a tergo)

— taxa de risco. Requer preparo físico, implica dominação simbólica. Dedução limitada a três repetições semanais.

Equitatrix (posição da cavalgada)

— imposto especial sobre atividades de alta mobilidade erótica (ICMS-P). Cuidado com a reincidência: pode entrar na faixa da bitributação.

A cathedra (sentado ou em pé)

— tarifa complexa com base em equilíbrio, arquitetura corporal e decoração do ambiente. Exige laudo técnico.

Stans in stante (ambos em pé)

— taxa de agilidade urbana. Ideal para sexos improvisados em locais públicos ou banheiros de bar. Inclui adicional noturno.

Resupinata (de costas com pernas levantadas)

— tributação máxima. Considerada operação de alto desempenho e acrobacia fiscal. Só isento quem comprovar liminar de coluna.

Observação: Contribuintes com performances simultâneas, gemidos em tom lírico ou usando acessórios devem preencher a Declaração Complementar de Erotismo Extrapolado (DC2E), sob pena de multa e censura moral de fachada.

Cuidem de trabalhar por uísques, jantares e cabelos — pra depois chorar na demogracinha. Porque na República Prostitucional, o prazer é de quem manda — e a conta, de quem geme.

Por Irapuan Sobral

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