A América é uma promessa de fé que seus colonizadores fizeram a si próprios. Acreditaram-se ungidos por uma coragem imensa ao pisar as terras dos pele-vermelhas, de quem se fizeram herdeiros — à força.
Nessa promessa, há uma determinação telúrica, parecida com o sufixo -stão do Oriente: “não sairemos mais deste solo, salvo para fazê-lo tremer.” Cortaram terra, sangraram rios, fundaram impérios.
Robert Francis Prevost é o primeiro filho dessa promessa que chega a Roma como papa. Muitos de seus conterrâneos já fundaram igrejas, cultos, devoções — mas sempre fora da Igreja Católica, da qual romperam laços. Prevost, não: ele retorna.
Adotou o nome de Leão — o rugido do ungido.
O primeiro papa Leão, chamado Magno, enfrentou Átila. Por milagre ou por imponência moral, afastou o huno da península itálica. A lenda conta que o bárbaro o deixou horas a fio montado em seu cavalo, para testar-lhe a resistência. O velho suportou. Átila partiu.
Átila ficou conhecido como o Flagelo de Deus. Espalhou temor, escreveu capítulos reais e lendários da história ocidental — e desapareceu com o seu povo, vencido.
Ficaram os símbolos. Entre eles, Santa Genoveva, padroeira de Paris, cuja igreja resiste em Nanterre, entre prédios e silêncios — como o tilintar das espadas nos Campos Cataláunicos.
Prevost carrega, de pia e registro, nomes paradoxais: Robert, glória resplandecente; Francis, humildade e pobreza; Prevost, o que está à frente. Como Papa, escolheu Leão — e o nome, mais do que nunca, diz da Igreja dos últimos tempos.
Prevost, isolado, é também nome de arte. Os amantes da ópera o lembrarão por Manon Lescaut, baseada no romance do Abade Prévost: L’Histoire du chevalier des Grieux et de Manon Lescaut.
Nessa história, uma paixão nascida na França termina nos desertos da Louisiana — na América.
No Livro de Reis, naquela história dos dois profetas — que traduz como o ego se separa do divino por pura vaidade, ou graças ao poder secular — há também um leão devorador, silencioso, imóvel, simbólico.
Talvez não seja nada.
Mas, às vezes, o acaso — ou a Providência — escreve com ironia fina.
A profecia descomprometida, afinal, também é uma forma de literatura.
Por Irapuan Sobral