Pular para o conteúdo

Providenze alla previdenza – (Providências à previdência) Irapuan Sobral

«Maestro, fa che, se tu puoi, tu trovi
alcun che conosci, e io per quello
vegg’io tutti attuffati e per ciò mi movi.»
(Inferno, Canto XXI, vv. 37–39)

No lago fervente da quinta bolgia, onde a piche gruda como as mãos dos que desviam, Dante procura entre os corruptos algum rosto familiar. Não para saudá-lo — mas para reconhecê-lo como se reconhece a lepra. É uma cena silenciosamente brutal: a corrupção, para além da culpa, carrega o reconhecimento social do crime.

Hoje, também olhamos para a superfície negra da nossa própria bolgia, onde se borbulha a carne dos que roubaram dos que já quase nada têm — os aposentados. A piche escorre da folha de pagamento. O que era previdência virou rapina. O que era salário virou armadilha. E cada desconto indevido carrega o eco das palavras de Ciampolo, o navarrês: “dei demais, pois todos davam…”

Se Dante escrevesse hoje, não faltariam nomes. Nem ganchos.

A que demônio, entre esses Malebranche — Malacoda, Cagnazzo, Barbariccia, Libicocco, Draghignazzo, Ciriatto, Graffiacane, Farfarello, Rubicante, Scarmiglione — se ouviria o seguinte brado?

Temei! Temei! Temei!
Tremei! Tremei! Tremei!
Ainda que na terra escapes —
No Inferno, eu não sei!

Há uma caldeira especial, depois de um deserto de mármore branco em brasa, reservada àqueles que se banqueteiam com o que tiram dos velhos, dos que já se curvam sob o peso da vida. A pena ali não é só o alcatrão: é a consciência ardente, eternamente lúcida, do quanto roubaram — de tempo, de dignidade, de paz.

O inferno vos espera!

«Lasciate ogne speranza, voi ch’intrate.»
(Inferno, Canto III, v. 9)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *