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A DOR DA PERDA (Por GILBERTO CARNEIRO)

 

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ÀS 7:15 da manhã quente da última sexta feira, meu amigo, dom Luciano, como tenho o hábito de chamá-lo, descobriu o quanto o mundo pode ser cruel e indiferente. O mundo não se importa se você morre. As fábricas continuam funcionando, lojas permanecem abertas, carros trafegam nas vias e pais levam seus filhos às escolas. A vida não vai parar e o mundo não vai escutar seus gritos. Se você sangrar no chão, o chão vai beber seu sangue e não se importará se você continuará sangrando.

Naquele instante de dor intensa meu amigo disse a si mesmo que quando conhecer Deus pessoalmente lhe fará uma indagação: para que criar um mundo de maravilhas e pessoas boas partirem em detrimento de um monte de monstros que aqui permanecem? Por que criar flores no campo e depois serpentes para se esconderem nelas? Para que serve o tornado?

A morte está em toda parte. Ela nos segue como um cachorro vadio esperando nos devorar como uma  sobremesa. A dor que nos causa é tão aguda, tão completa que é difícil entender como nos beneficia como espécie humana. Para que serve a dor? Até se entende o desejo, o medo, o amor. E como nos protegem e melhoram nossas vidas e trazem novas vidas. Mas e a dor?

A dor consumia meu amigo. Morrera o sentido da sua vida, sua mãe, Bernadeth Araujo. Desligou o telefone. A notícia chegara do hospital e não sabia o que dizer a sua irmã, Teózia, que estava ao seu lado, e aos demais  irmãos, netos e bisnetos que se encontravam distantes.

Consumido pela dor lacerante, lembrou-se de uma velha lenda. Um indígena amazônico disse uma vez a alguém consumido pela dor da perda que quando amamos alguém, de verdade, as almas se misturam. Quando um ou outro morre, quem parte deixa metade da sua alma misturada à alma de quem permaneceu vivo, vivendo sob a alma do outro. O indÍgena perguntou para aquele que estava consumido pelo sofrimento da perda qual o sonho não realizado da pessoa que se foi e este reconheceu, que seria conhecer o oceano. O velho índio então o disse: – mantenha-se vivo e leve seu ente querido que partiu para ver o oceano através dos seus olhos.

Naquele instante meu amigo foi à igreja e de joelhos no chão chorou e rezou. Lembrou da pergunta que gostaria de fazer a Deus, a razão do mundo ser tão cruel. No mesmo momento recebeu a resposta: Deus não fez o mundo para nós e as pessoas de coração puro que levantam voo nos deixando o fazem por uma razão simples. Deus precisa delas e, geralmente, os chamam logo cedo para cumprir suas missões ao seu lado.

Contudo, a pureza, a delicadeza, o afeto, a meiguice, a leveza e a generosidade de lady Bernadeth eram tão intensas ao ponto de comover Deus a excetuar sua regra e permitir que permanecesse entre nós por 100 anos vividos com muita tenacidade.

Bem emendou a primeira neta, Rosalyn Araújo:  – “Bernadeth Araújo nos deixa um legado reflexivo sobre nossos comportamentos de valorização de princípios como solidariedade, humildade e generosidade”.

Meu amigo, com o coração um pouco mais aliviado foi ver o mar. A dor havia diminuído um pouco dando lugar à saudade, que nas palavras de conforto de padre Luiz Antônio, é o amor que fica. Lembrou dos momentos inesquecíveis que viveu ao lado da sua mãe, as inúmeras vezes em que ficaram sentados, em silêncio, esquecidos do mundo, contemplando o oceano nos fins das tardes dos sábados.

Compreendeu naquele instante que chegara o momento em que Deus não abrira mão de tê-la ao seu lado e que lhe foi bastante condescendente ao permitir desfrutar da presença da sua querida mãezinha por um século de vida.

Olhou para o céu e viu uma estrelinha que emitia um brilho esplendoroso. Seus olhos marejaram, seu coração aquebrantou-se e seus lábios até esboçaram um sorriso. Foi quando decidiu que continuaria vindo todos os fins de tardes de sábados para permitir que sua mãe, lady Bernadeth, pudesse ver o oceano e o mundo através dos seus olhos.

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