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GUERRA DE GÊNERO      (Por GILBERTO CARNEIRO)

Neste sábado celebrou-se, no mundo, o DIA IINTERNACIONAL DA MULHER.

Logo, em razão do avanço das pautas afirmativas percebe-se que as guerras de gênero se globalizaram e estão sendo impulsionadas por um poderoso movimento social, político e religioso de caráter transnacional. “Guerras de gênero” seriam os conflitos políticos e culturais centrados em questões de gênero e sexualidade – temas como os direitos sexuais e reprodutivos, os direitos das dissidências sexuais, a educação sexual ou a violência de gênero, entre outros. É claro que essas batalhas não são meras cortinas de fumaça, mas são inerentes à luta pelo poder e aos interesses dos projetos políticos que as impulsionam, que, em última instância, são funcionais para uma relegitimação das hierarquias de classe, gênero e raça.

Um estudo publicado por Nubia Alabao, antropóloga, jornalista e pesquisadora, especializada em questões de gênero nas novas correntes de extrema direita, enfoca uma nova onda de ativismo ultraconservador global que estabeleceu o “gênero” como um front de batalha definitivo. O movimento “antigênero” é suficientemente flexível para incorporar uma variedade de objetivos, mas como movimento, não é apenas uma série de campanhas desconexas. Embora em muitos lugares vista as roupas da oposição ao neoliberalismo, em outros o abraça plenamente

Na sua análise, os agentes internacionais que impulsionam as guerras de gênero são muito diversos. Por um lado, as instituições religiosas desempenham um papel destacado. A direita cristã internacional é, de fato, a mais bem sucedida na mobilização de recursos, nas redes organizativas, construção de identidade e produção cultural do movimento. Nesse sentido, os atores religiosos funcionam como qualquer organização política. No Brasil temos as igrejas pentecostais, cujo principal líder é o pastor Silas Malafaia, bastante conhecido por sua atuação política e pelo discurso de ódio sobre temas como homossexualidade e aborto. Em janeiro de 2013, a revista Forbes o classificou como o terceiro pastor mais rico do Brasil, com um patrimônio estimado pela publicação em 150 milhões de dólares.

Nas últimas décadas, assistimos ao crescimento do poder do evangelismo, especialmente o estadunidense – que mantém fortes vínculos políticos com a direita republicana e conta com importantes recursos econômicos –, como foi demonstrado recentemente nas eleições americanas no apoio a Donald Trump. Esse candidato, de fato, mostrou ser habilidoso ao evitar perguntas diretas sobre sua posição em relação ao aborto, temendo perder votos em um país que, em sua maioria, apoia esse direito – especialmente no caso das mulheres. No entanto, acabou por assumir compromissos com seus financiadores evangélicos, que também mobilizam muitos votos, declarando-se contrário às leis mais permissivas sobre o aborto, com argumentos como a afirmação de que em alguns estados democratas “é possível executar o bebê após o nascimento”.

Os evangélicos, especialmente uma parte significativa dos neopentecostais, têm uma influência crescente na América Latina, onde atuam ativamente na política institucional, influenciam a escolha de presidentes ou apoiam diretamente determinados candidatos, como no caso de Jair Bolsonaro no Brasil.

Outros atores relevantes são os políticos ultraconservadores e de extrema direita, que embora sejam muito diversos entre si, às vezes cooperam internacionalmente para consolidar determinados blocos de poder. Com frequência, seus interesses não convergem, sendo suas diferenças acentuadas pelo nacionalismo que promovem, mas conseguem se unir mais facilmente quando se trata de questões de gênero, que parecem ser o principal elo comum. Essas questões, de fato, representam o espaço principal de coordenação discursiva e material entre essa pluralidade de agentes.

A virada do milênio viu crescer progressivamente a articulação de uma vasta rede internacional de atores, originada como reação contra o aumento dos direitos das mulheres, que ocorreu a partir da década de 1990, quando organismos internacionais, como a ONU, assumiram a promoção dos direitos sexuais e reprodutivos. Desde então, houve um impulso ao crescimento de organizações contra esses direitos dentro dos próprios organismos internacionais de direitos humanos, como forma de ampliar a credibilidade e se tornarem fontes consultivas oficiais, ampliando seu potencial de intervenção.

Na mesma década de 2010, houve um aumento na velocidade de expansão transnacional e na intensidade das guerras de gênero, quando grupos de ultradireita (ou com posições muito reacionárias em relação ao gênero) ganharam eleições ou assumiram cargos institucionais de relevância. Viktor Orbán tornou-se primeiro-ministro em 2010, Donald Trump assumiu a presidência americana em 2017, e Jair Bolsonaro, a brasileira, em 2019. Vladimir Putin percebeu a importância política desse tema em 2013, e começou a falar de “valores tradicionais” e no mesmo ano, assinou a lei contra a “propaganda homossexual”.

O que se extrai do presente estudo é um alerta. Apesar do importante aparato de meios e conexões globais, é importante lembrar que, apesar de sua propaganda – que frequentemente exagera sua própria capacidade –, essas redes internacionais não são onipotentes. A existência de recursos materiais e de redes ajuda a impulsionar suas ideias, mas elas precisam encontrar um ecossistema cultural favorável, onde os movimentos sociais são mais frágeis. Há, portanto, uma batalha em curso e cabe a cada um de nós, que defendem os valores progressistas, manter-se firmes no combate a essas ideias de cunho excludentes, que não aceitam as políticas afirmativas que têm como objetivo promover a inclusão socioeconômica de populações historicamente privadas do acesso a oportunidades. Nesta luta, o papel das mulheres é de fundamental importância.

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