Roma se aquecia no bojo do calor mediterrâneo, clima esquentado pelo vento quente, soprado pelas bandas da África, trazendo consigo uma poeira escura, que encardia os colarinhos das nossas camisas brancas e o que fez Caetano Veloso cantar, na sua famosa música Reconvexo: “Sou a chuva que lança a areia do Saara sobre os automóveis de Roma(…)”. Bebíamos um café, com pedras de gelo, amargo, sem açúcar, que matava a sede, nesse calor, mais do que a própria água. As mulheres evitavam gravidez , nesse período de temperatura insuportável. E assim, as escolas davam férias gerais e longas, a partir do meado de junho, do que os pais também desfrutavam para viajar a destinos mais frios.
Aproveitava eu dessas férias para aprender mais uma língua estrangeira e trabalhar, fazendo vários serviços, auxiliando alemães, que também me ensinaram dedicação e pontualidade , e respeito ao trabalho. Enchiam, a três por quatro, a boca da palavra arbeit . Destrói-se assim qualquer presunção em qualquer posto de trabalho, o que demonstrei nas funções que exerci no serviço público.
Servia-me desse período sem aula, quase um trimestre, para angariar, com muito esforço, alguns deutsc mark , moeda antes do euro , como complemento da minha bolsa em Roma. Nunca sofri na Alemanha, dentro ou fora do trabalho, alguma manifestação de xenofobia, o que os latinos, neste momento, vêm sofrendo pelas asneiras e malvadas generalizações ditas da boca do atual presidente dos USA. Pelo contrário, recebia acolhimento, simpatia e reiterados convites para permanência.
Trabalhei dentre outros, arrumado pelos amigos, famílias e até pela própria Caritas alemã, os seguintes postos de trabalho: No Cemitério de Krefeld (Haupt Friedhof); em Hill bei Krefeld, numa fábrica de tecelagem e de tecido; também em Krefeld, na limpeza do piso e higienização de doentes idosos, no hospital (Krankenhaus); em Wassenberg, cidade onde iniciei sendo calunga de caminhão, para depois ser promovido ao setor de embalagem na Fábrica de Caixas de papelão. Grato sou à regalia de me hospedar ou nas casas das famílias Orth, Bienen e Henzi; e família Heinen, nas estadas por Erkelenz.
A viva experiência me fez memorizar que serviços, considerados inferiores e de baixo salário, eram rejeitados pelos alemães e passados aos imigrantes e estudantes estrangeiros, sempre excedente oferta no mercado de trabalho. O “serviço de gancho” era para imigrantes turcos, portugueses, espanhóis, italianos da Reggio Calabria, e, como o meu caso, estudantes estrangeiros na Europa. Não fazíamos parte do “exército de reserva” no mercado de mão de obra. Se nos tirassem, os alemães não nos substituiriam.
O mesmo deverá suceder nos USA… Ao perseguirem e expulsarem os imigrantes dessas tarefas mais humildes, os americanos não os substituirão. E assim fizessem, exigiriam salários bem superiores aos então pagos aos imigrantes. A TV já mostra restaurantes, pizzarias, lanchonetes vazias, cujos cozinheiros, garçons e faxineiros se escondem da polícia, para não serem algemados e acorrentados, ou condenados à infernal Prisão de Guantánamo, em solo cubano, tomado pelas forças americanas. Enfim, a juventude americana ou a mão de obra yankee não se presta para lavar pratos, limpar chão ou esgoto, ou higienizar camas e doentes de hospitais.
Mas, o grande medo de Trump, ao aceitar imigrantes como cidadãos, seria o de admiti-los como participantes, no futuro político do país… Essa é a explicação principal dessa controvérsia, que move ações como as de Herodes, negando nacionalidade a crianças que nasceram naquele país.