Ocorria uma curiosidade: aos domingos, mesmo ensolarados, sumiam nos céus, agora, acabou-se novembro e não os vi voltarem. O Pequeno Príncipe, pedindo: “Por favor, desenha-me um carneiro”, fez-me lembrar Irmã Lenice, sugerindo a seus alunos desenharmos o pássaro da nossa estimação. De repente, peguei a caixa de “lápis colorido” e separei para as penas o amarelo; um mais escuro para o papo e a cabeça; o marrom para o bico e para as pernas; e o preto para pintar os olhos. Pronto, dali sairia o meu preferido: o canário da terra. Como aqueles que via, durante minha infância, no quintal da minha casa. Vinham do sítio, logo atrás do quintal, quase à beira do rio, cheio de mangueiras, bananeiras, goiabeiras, onde havia até uma frondosa barriguda, dando sombra aos bodes, aos porcos, e ainda soltava sementes voadoras, vistas até nas ruas mais distantes de Pilar. Desde então, o canário da terra sempre foi canto e encanto da minha predileção.
Se a professora, Irmã Lenice, do Colégio Nossa Senhora da Conceição, não desse dez ao desenho, pouco importava. O importante era o canário, nascido daqueles lápis, mais livre do que os engaiolados, no terraço dos maiores criadores, em Itabaiana. Não podia ver a freira nos corredores da escola e logo imaginava o meu desenho, que não voava, nem precisava de gaiola, mas vivia comigo, guardado com carinho.
Crescido, me desfiz das gaiolas, que me asseguravam, vendo e ouvindo, ao lado, o canto da patativa, do galo de campina, do curió, do sabiá e do azulão. Contudo, já adolescente, conscientizei-me da merecida liberdade dos pássaros e abri as porteiras das gaiolas, feitas na Rua do Gado, pelo famoso gaioleiro Zé Bubu. Desisti de tê-los para apenas, eventualmente, admirá-los nos galhos das escassas árvores da Praça da Indústria. Mas, fugiram, atravessando o Rio Paraíba, foram-se para as matas da redondeza, e nunca mais voltaram.
Reencontrei-me com eles, na Capital, desde que vim morar num condomínio, que leva o nome de bosque. Via-os em casal, saltitando no campo de futebol, bicando as sementes que encontravam no gramado. Brincavam um com o outro, abriam as asas, como numa coreografia do macho à fêmea. Discretamente, sentava-me num banco para me deliciar com o espetáculo. Ora eram doze, ora seis, ora apenas dois, que, quando voavam, pareciam combinar onde pousar. Uma coisa observei: canário canta para chamar a canária; é um canto macio, mas estrilado, melodioso, musicalmente variado e sobretudo bonito.
Comecei a planear como atraí-los para perto da minha casa, então coloquei, entre a mangueira e o sapotizeiro, uma armação com água e uma grande bandeja redonda, oferecendo-lhes alpiste, tudo aconselhado para canário, como jiló em quatro bandas e até um refinado xerém, convidativo também a arribaçãs. Essas vieram, em companhia de pardais. Mas, os desejados canários não apareceram. Para dizer a verdade, aqui e acolá, distante, na fiação dos postes, senta um, não definido a olho nu, e logo se vai.
Voltei a arrodear o campo de futebol, logo cedo da matina, frustrando-me, porque a administração do condomínio trocou a verde grama, de que tanto gostavam os canários, por um gramado sintético. Esconderam-se talvez na Mata da Amem. Por enquanto, contento-me com beija-flores, alimentando-se do néctar, nas flores do meu jardim. Já começou dezembro, vai terminar o ano, apesar de toda a trabalheira, não os vejo voltar. Quem sabe no ano novo que já vem…