Os senadores derrubaram Júlio César, tachando-o de rei, no final do período republicano da Roma Antiga: “Ele quer ser rei”; contrapondo-o à figura de um chefe de Estado democrático ou de um líder na forma oposta à monarquia arbitrária, quando a res publica já vinha sendo fruto, depurando-se das experiências da então vida pública. Pelo boato, de ouvido a ouvido, como se fosse a fake-news de hoje, tentaram desmanchar o prestígio popular de Júlio César até se atingir o ódio para assassiná-lo em plena Sessão do Senado, tratando-o como “não republicano”. Cultivaram o ódio, armaram-se, e César, apunhalado por quase todos, surpreendeu-se com o golpe dado pelo próprio “filho adotivo”: “Até tu, Brutus”?
Da histórica lição, resta-nos que alegaram como motivo da morte ele tentar deixar de ser republicano; a outra é a de que a “mentira política” é extrema e duplamente degradante: a quem a pratica e a quem é vítima dela, isso tão corrente nos dias de hoje. Depois de maquinada, divulgada aos quatro ventos, dá trabalho a ser desfeita, talvez diminuída, se a verdade contrária consiga ser imensamente maior do que a mentira propalada. César galgou os degraus do sucesso político graças aos seus propósitos populares e republicanos. Não é por menos que, nos dias de hoje, poucos bons políticos definem seus compromissos com o povo como sendo caminhos a um Estado republicano: acabar a política a serviço de um e esse um, a de poucos, para muitos se dedicarem a serviço de todos.
Simplesmente a República é apurada consequência da politeia grega, dos tempos da República do filósofo Platão e definida pelo romano Cícero como desejo do povo, em conformidade com o bom senso garantido pela Justiça, como lei comum, para que se plenifique, política e republicanamente, o Bem Comum, tão dito ser a finalidade da política por Tomás de Aquino, e dever cristão, pelas encíclicas papais. Não basta dizer que houve a “república romana”; que se chegou à République da Revolução Francesa; tampouco como o Commonwealth idealizou o fim da tirania, proclamando democracia, direitos humanos, livre comércio sem boicotes e paz mundial; ainda, que a Republik deu fim aos reichs germânicos. Como, entre nós, aconteceu sua proclamação, haja a República e que seja ela nacionalmente brasileira.
A República, proclamada no nosso país, deveria ou deverá continuar como “república”, quase assim como em outros países; no que elas têm de comum, como se herdasse substancialmente as qualidades e as características da sua origem. Contudo, conforme o relativismo cultural e instrucional de cada povo, ela sofre adulterações, às vezes distanciando-se da sua verdadeira definição, que é, segundo o romano Cícero, constituída de três elementos: o povo; interesses consensuais, como acontecessem numa comunidade; e respeito ao direito de cada um e ao direito coletivo. Quanto mais a república for representação coletiva mais ela será república, como em outras nações que quase alcançaram esse nível. Por aqui, que se releia a república e a sua consolidação como sistema nas crônicas machadianas; também a república em tons irreverentes escritos por Graciliano Ramos, quando, hoje, comemora-se o Dia da República, vendo-se tantas indecências políticas. Sempre relevarei o Padre Antônio Vieira: “Dizem que os que governam são espelho da república; não é assim, senão ao contrário. A república é o espelho dos que a governam.”