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   Não há felicidade infeliz (Damião Ramos Cavalcanti)

 

 

          O jornal A União, do domingo passado, publicou, na sua capa, a manchete: “Pressão social pela felicidade vem causando prejuízos à saúde mental”. Não sei a quem elogiar o ineditismo do título da matéria, que responsabiliza “especialistas” como advertidores de que tal preocupação, tentando “anular sentimentos negativos”, agrava “problemas como a depressão”. Como o título provocou  curiosidade, fui à matéria, na página 5. Li e reli, detendo-me no sentido de que a causa de “prejuízos à saúde mental” seria a intensa ou obsessiva busca pela “felicidade” ou a “pressão social pela felicidade”. Contudo, considero nunca ser demasiado buscar a felicidade, seria como se fosse perseverar ou persistir à busca da perfeição da existência.    
          Ora, desejar a felicidade é uma ação intrínseca à existência humana, vive-se para ser feliz. E no momento em que não se goza dessa felicidade, redobra-se essa procura, o que não significa uma mera vontade, mas um desejo,  e poderia ser até um desejo coletivo, como no Butão, país do Himalaia, onde, ao contrário do nosso PIB (Produto Interno Bruto), conscientiza-se a FIP (Felicidade Interna Bruta). Por lá, recomenda-se, como se fosse constitucional, o dever de pensar, algumas vezes ao dia, sobre a vida, sem medo e sem preocupações, inclusive, convencendo-se de que morrer é também viver. Tal decisão afasta preocupações, que nos trazem ansiedade e angústia. No Butão, “país da felicidade”, é proibido ser infeliz. Ninguém se preocupa com mais do que se precisa. Não se dedicam a vantagens ou  coisas inúteis.    
         Há distorções no que seja a felicidade para as bandas do Ocidente, onde tudo se materializa no ideal do ter, apregoando-se isto, como muito bem escreve Samantha Pimentel, na página 5. Até não chamaria de “felicidade tóxica”, porque felicidade não intoxica, mas é uma cobiça tóxica, o que vem se configurando numa progressiva “neurose coletiva”, num estágio de obsessão, agrava-se essa doentia ganância, que, com certeza, tem afetado a nossa saúde mental. Samantha  bem salienta que essa seguida obsessão “tem provocado muita angústia”. E ainda reforça que “se a pessoa já tiver predisposição, isso pode desencadear estados depressivos, causar apatia e levar a outros transtornos”, o que conta com grande reforço das redes sociais, que muito propagam como se tornar rico de repente ou angariar fortunas sem trabalhar, como se fosse projeto de felicidade, o que causa perturbações. Não há felicidade infeliz, tampouco infelicidade feliz…
          Importante conceituação filosófica da felicidade, desde os antigos, vem de Epicuro, que admoesta a uma vida sem perturbações, o que é impossível, vigiando e cobiçando cada vez mais riquezas, fortunas e lucros acumulativos. A pregação disso advém de dominante ideologia, de insaciável sede de propagação e de doutrinação ao individualismo.
          Evitam-se perturbações através da imperturbabilidade, que, no grego de Epicuro, chama-se ataraxia. Todos teriam o direito de ser felizes ou da felicidade, o que se conseguiria pelos princípios de: “Libertar-se do medo e das preocupações inúteis e administrar devidamente os desejos para mantê-los nos limites impostos pela natureza”. Sem materializá-la, a felicidade se encontra no interior de cada um, não é achada no chão, num injustificável salário, dentro de um cofre ou em algum depósito financeiro.
          Epicuro também pregava que para ser feliz o humano deve desmistificar o medo da dor física ou moral, vencer esse medo, na convicção de que a felicidade é a ausência da dor. Assim, a felicidade estaria ao alcance de todos…
 

Damião Ramos Cavalcanti

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