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Uma história pra te contar (Thomas Bruno Oliveira)

Cartão da potente Rádio Borborema, ao centro um retrato das antenas – RHCG
 

UM DIA DESSES MEU CELULAR TOCOU. O número não constava em minha agenda de contatos. Ao atender, ouço aquela voz serena:

 

– Alô, é o meu velho amigo Thomas?

 

– É sim, respondi.

 

Tempo que em alta velocidade meus neurônios buscavam uma correspondência para aquela longeva e bonita voz, é quando reconheço que é de meu querido amigo Batista, aposentado da Chesf. Ele queria me encontrar porque sabe que gosto de ouvir histórias e naquele momento recordou de uma com orgulho que ocorreu quando ainda era criança. Nos encontramos. Em uma mesa, cada um em seu tamborete, ansioso ele me conta um fragmento de sua memória.

 

Amigo Thomas tenho uma história pra te contar. Repare bem, eu gosto de conversar com você porque você me escuta, às vezes a gente quer falar com alguém e quando vai dizer uma coisa só escuta desdém do povo: “isso é conversa de velho”. Eu fico com raiva, não sabe? Tanto que eu fiz nessa vida, eu acho que mereço mais respeito não é verdade? Pois bem… Instante em que ele mostra os braços arrepiados, tamanha a emoção. Eu tinha de nove pra dez anos, mas vendo com os olhos de hoje, mais parecia que eu tinha na faixa de quinze ou dezesseis, é porque eu já tinha tanta responsabilidade que não vejo hoje as crianças com capacidade de fazer o que eu fazia.

 

Eu dirigia um carro de mão que meu tio tinha sobrando no fundo do quintal; com o carro, eu juntava quatro ou cinco latas e ia encher em um velho chafariz lá no bairro do Alto Branco. Onde a gente pegava a água, chamavam de caixa d’água. Dali eu saía nas casas vendendo, já adquiri ali a profissão de aguadeiro. Pra você ver, dava um dinheirinho bom danado. Meu maior orgulho (falando com a voz embargada pela emoção no alto dos seus 84 anos), era quando chegava com o dinheiro em casa e dava a meu pai. Em silêncio, ele recebia, me olhava e nada dizia. Ele nunca cobrou não, não sabe? Nunca me obrigou. Mas aquilo eu fazia com tanta satisfação nesse mundo, ah meu Deus! E minha mãe me dizia que ele morria de orgulho de mim. Meu pai e minha mãe são vivos em minha memória, queria eu hoje dar de tudo para eles, hoje eu poderia dar muito conforto, mas foram para o céu logo cedo.

 
Aguadeiros na década de 1930. Latas d’água em burros ou carros de mão – Acervo J. Edmilson

Pois veja só, lembro demais que depois de deixar água na casa de uma senhorinha bem risonha, Dona Celeste, enquanto eu esperava o pagamento sentado na carroça, me espantei com uma estrutura de ferro que crescia ali pertinho e um homenzinho ia subindo umas hastes e aquilo tudo era tão alto que parecia perto do céu. Eu ficava, não sabe, pensando: o que era aquilo meu Deus? Teve um dia quase todo que fiquei só olhando, como pode uma coisa tão alta? Não deve existir algo no mundo tão grande como isso aí. Diziam os mais velhos que era a antena de uma rádio que estava sendo instalada na cidade. Embaixo, chegavam uns homens vestidos de terno, óculos escuros e ficavam olhando aquilo e conversando. Eu era tão menino que não entendia aquilo direito, devia ser coisa de gente rica. Rádio, o que é isso? Depois eu soube que era a antena da Rádio Borborema [Fundada pelo jornalista, escritor e empresário Assis Chateaubriand em 17 de julho de 1949].

 

Nas idas e vindas com meu carrinho de mão, aquela antena ficou pronta e eu via o povo dizendo que era muito importante, mas o que teria de tão importante naquela coisa? Eu não sabia o que era rádio até meu pai comprar um de marca ABC canarinho e por na sala, aí que eu entendi que rádio era o que tocava música, igualzinho ao que a gente escutava na difusora. Falando nisso, eu só me lembro da difusora que existia nos postes velhos no bairro do Jeremias, propriedade do sr. Francisco Venâncio. Era um serviço de alto falantes que ficavam espalhados pelas ruas. Naquelas cornetas a gente ouvia de tudo, tinha notícia e durante a noite tocava muita música. Eu gostava muito de Francisco Alves, de Nelson Gonçalves e outros grandes cantores da época. Às vezes, ao invés de ir brincar, me escorava no pé do poste e ali eu viajava… De difusora, conheci a do Gaúcho (de seu Jovelino Farias) e rádio veio depois a Caturité que ainda existe, mas que fez muito sucesso, todo mundo queria ir para o auditório ver os programas, eu mesmo fui algumas vezes, era muito bom!

 
Anúncio da TV Borborema no jornal impresso Diário da Borborema
 

Memórias como a de Batista nos leva a fins da década de 1940 e nos conta um pouco do cotidiano da cidade. Marcas culturais, históricas e sentimentais de uma época distante que continuam vivas e com a mesma emoção do relato fazemos questão em aqui registrar.

 

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