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       Voto e cidadania (Damião Ramos Cavalcanti)

 

          Cada qual, na sua cidade, usará seu título eleitoral, como parte da sua cidadania. Pode haver até título sem cidadania, mas difícil seria cidadania sem escolher, democraticamente, quem dirija a vida da pólis. Como, numa garrafa de vinho, o conteúdo é o que dá significado ao título, o cidadão ou a cidadã culmina suas ações cívicas, participando, ativamente, na escolha dos seus políticos. É por isso que é preciso ter idade e juízo, quando se tem o título. Ser cidadão não é tão somente morar na cidade, mas sobretudo participar da sua vida política. 
          Sonhei que a cidade parecia vazia. Cheia de ruas, de becos, de casas, de prédios, sem habitantes; de carros, de ônibus, de trens sem passageiros. A natureza vivia… As águas estavam silenciosamente paradas; somente o rio corria, também o vento, fazendo as folhas de algumas árvores centenárias se movimentarem. Via apenas coisas que faziam parte da urbs; coisas urbanas, como as paradas de coletivos, os abandonados transportes, os reconhecidos logradouros, coisas deixadas, sem vida, que se inferiorizavam no meio da natureza verde. Agoniado pesadelo, a cidade estava vazia: nenhuma mulher para o mundo das crianças, tampouco alguma criança, nem sequer um idoso, para nos contar o que teria acontecido ou pessoas com experiência para orientarem os sem experiência de vida.
           Seria uma cidade vítima de armas ou talvez de catástrofes; talvez apenas coletivamente deserdada. Mesmo dormindo, aparecia um estranho convencimento: sem gente, não há cidade; aquilo era apenas um amontoado de coisas fabricadas ou construídas para moradia ou uso dos que faziam a cidade. Havia a urbs, faltava a civitas; a urbs é a estrutura, a civitas, o organismo, a vida orgânica. Para haver cidade, fazem-se necessários cidadãos e cidadãs; e para serem felizes, comportando-se coletivamente como gente daquela cidade, libertando-se das demagogias; das mentiras políticas, da perversidade e enganação ideológica do “homo lupus homini”; sendo o povo povoando o povoado; a cidadania, a cidade.
           Deveriam pairar, antes das eleições na nossa consciência, a tendência de ser feliz na sociedade, a coragem de ouvir e participar do consensus, como visa Daniel Bello o Bem Comum, em Les Contradictions Culturelles du Capitalisme. A eleição é única circunstância cidadã para se escolher pessoas que nos ajudem a esses benefícios consensuais.  Corajosamente não é o medo, nem a dúvida ou o talvez… Nesse contexto, o histórico do candidato ajuda a desfazer o temor da aventura. Não há eleição sem escolha, sem o mínimo de comparação, sobretudo quando existem candidatos com distintas e diferentes qualidades, o que possibilita, na democracia, a exitosa escolha. Daí, sempre repetir em poucas palavras: ninguém escolhe sem comparar.
          Quando circunstanciais desestímulos ou maquinações apresentam candidato único, costuma-se ouvir do eleitor: “Não tive escolha”. Hoje, a conduta reprovável, contrária à cidadania, seria retroagir às eleições, então capitaneadas pelos “coronéis”, hoje por “proprietários” de redutos eleitorais; à compra de voto ou à campanha dos fake-News, o que merece repúdio, criminalização e punição pela Justiça. Acordados, decepções experimentadas começam a educar o povo; e o voto a escolher candidatos que já provaram e comprovaram o bem-fazer e se portam como o bem exige. Candidato favorito deve apresentar sua história e bom desempenho político, confirmado pela sua vida pública. Tudo promete que, nas próximas eleições, não deixaremos a cidade vazia…
 

Damião Ramos Cavalcanti