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Lembranças de Soledade (Thomas Bruno)

Igreja Matriz de Nossa Sra. Sant’Anna – Soledade-PB

Soledade, eu vou embora.

Dentro em breve vou partir,

Vou ficar lá, bem distante,

Sei que vou lembrar de ti.

 

(Juarez Filgueiras de Góis)

 

PARA OUVIR, pus uma seleção de Nelson Gonçalves. “Maria Betânia, tu és para mim, a senhora do engenho. Em sonhos te vejo, Maria Betânia, és tudo que eu tenho…”. Naqueles sons melodiosos eu fechava lentamente os olhos buscando um alento, um relaxamento. Tinha passado dois dias intensos de pesquisa nas serras e rochedos de Soledade-PB, catalogando sítios históricos e arqueológicos, conhecendo um patrimônio arquitetônico muito rico e amealhando boas amizades. Era um fim de domingo, perto das oito da noite quando o motorista me deixou em casa.

 

Desci do veículo, saudei a todos, peguei minha mochila e com certa dificuldade abri o portão e entrei em casa. Silêncio, liguei lentamente as luzes e me dei conta de que meus pais estavam em Recife-PE visitando familiares nossos e só voltariam na segunda-feira bem cedo, por um momento eu havia esquecido esse detalhe, estava sozinho. Costumeiramente eu me livraria das botas e da roupa imediatamente, tomaria um banho e iria descansar, mas justamente o cansaço me impediu de fazer qualquer coisa a não ser ligar o computador, o som e deixar Nelson e sua linda voz me fazer companhia.

 
A Matriz, os Correios e a rua principal (BR230) ainda em paralelepípedos (2006)

De olhos semicerrados, ouvi ‘Dos meus braços tu não sairás’, ‘Escultura’, ‘Naquela mesa’ e tentava reunir forças para levantar, estava eu em meu quarto muito cansado, mas não só isso, sentia uns leves calafrios que foram crescendo. Verificando com o dorso da mão direita a testa e o pescoço, tive a impressão de estar febril.

 

Cansado e sem coragem alguma, fiz uma retrospectiva de como foi o fim de semana e a viagem a Soledade, me lembrei do encanto que foi ver a bela igreja matriz enfeitada de flores para um pomposo casamento, recordei o casario em uma arquitetura belíssima compondo um conjunto coeso e importante que remonta as primeiras décadas do século passado. A cidade que nasceu a partir de um cemitério em uma epidemia de cólera (Chólera Morbus) cuja história até hoje assombra o interior do Nordeste, pois em todas as famílias alguém dá notícia que um parente morreu “do cóla”. Município que cresceu no entorno do seu mercado público, ao redor do antigo e logo após do mais novo. Lembrei-me da Serra das Melancias, das inscrições rupestres nos sítios Vigário e Arruda, da hospitalidade genuína do povo, da alegria que circunda o trecho da rodovia BR 230 que passa no coração da cidade sendo a principal rua.

 
No sítio arqueológico Arruda, Soledade-PB

Em meio àquelas lembranças, dei um breve cochilo e despertei lembrando do secretário Prof. Amauri Pereira e da amizade que fizemos e também do poeta, historiador e memorialista o Prof. Juarez Filgueiras de Góis que separou em sua residência um cômodo, com porta para o jardim e a rua, onde passou a guardar uma série de objetos que contavam um pouco da história e do modus vivendi do município, ato que fez com que ele fosse um fiel recebedor de peças de diversas famílias e a salinha do Professor Juarez, batizada por ele de ‘Museologia Benedito Filgueiras de Góis’ (em homenagem a seu pai) foi ficando pequena até se tornar um Museu em forma de fundação, nasceu a ‘Fundação Ibiapinópolis’ com o apoio municipal que através da sensibilidade do Prof. Amauri intercedeu junto ao Prefeito um prédio do município para abrigar esse que ao longo dos anos se tornou um importante centro cultural.

 
Sendo entrevistado pelo Prof. Juarez e Góis na rádio Soledade FM, tema: ‘História de Soledade’

Pois bem, observei a mochila abandonada no chão e me lembrei do precioso presente que ganhei, justamente um livro de poemas do Prof. Juarez com o nome de ‘Fragmentos’. Ávido pela leitura, foi o combustível para que eu rompesse a inércia em que eu me prostrava e levantasse ligeiro, peguei o livro e comecei a folheá-lo. Com a outra mão, fui retirando as botas, a roupa, tomei um bom banho frio, preparei um café e fui, página por página, lendo os poemas, viajando na poesia e agradecendo ao divino pela oportunidade daquela vivência no entorno de professores, camponeses, criadores, gente do povo com quem tanto aprendo e a quem tanto admiro.

 

Se foi febre não sei, calafrios, os tive, mas a poesia dos ‘fragmentos’ do Professor Juarez foi o antídoto para um agradável e terno fim de domingo, isso há pouco mais de vinte anos.