Sempre que ouço a canção SER DIFERENTE É NORMAL, de Gilberto Gil, lembro de uma figura que se destacava na vida cotidiana da capital paraibana na segunda metade do século passado: Ivo Bichara. Quando o compositor baiano canta: “Todo mundo tem seu jeito singular/De ser feliz, de viver e de enxergar”, não há como deixar de reconhecer na sua personalidade esse “jeito ímpar de ser”. Não tinha qualquer preocupação em seguir os padrões de comportamento da sociedade na época. A começar pela forma de se vestir, numa indumentária bem parecida com os hippies, com um alforje a tiracolo e uma bandana na testa. Talvez por isso se diga que foi o primeiro hippie da Paraíba. O visual de Ivo “Bitch”, como era carinhosamente tratado por seus contemporâneos, chamava a atenção.
Era um sujeito muito inteligente, se irritava quando conversava com alguém que ele percebia inculto. Exímio enxadrista, frequentava o clube Cabo Branco, no centro da cidade, onde se reuniam os apreciadores da nobre arte do xadrez. Foi presença marcante, também, na sala de xadrez do Sebo Cultural, de Heriberto Coelho, na Rua 13 de Maio e na barraca do Pau Mole, em Tambaú, próximo de onde residia. Jogava por prazer e era imbatível na modalidade do xadrez-relâmpago, partida que durava em torno de cinco minutos.
Integrante de uma família tradicional do sertão paraibano, destoava do perfil dos parentes, principalmente seu irmão importante, o ex-governador e romancista consagrado Ivan Bichara. Nasceu em Cajazeiras. Nunca trabalhou, era um “bon vivant”, meio irresponsável. No entanto, assistia missa diariamente na igreja de Santo Antônio, próximo ao Hotel Tambaú. Era católico praticante.
Irônico, crítico sarcástico, foi protagonista de episódios que bem demonstravam o seu espírito brincalhão e irreverente. Certa vez, chegou a ser preso por participar de uma passeata de protesto contra a ditadura militar. Ao ser interrogado, o delegado perguntou como ele se chamava. Respondeu pronunciando seu nome em inglês: “Aivo Baichera”. Por achar estranho, o delegado pediu que ele falasse como se escrevia. Sem se intimidar, disse: “A minha obrigação é dizer meu nome. A sua, delegado, é saber inglês para escrever certo…” Não ficou na delegacia por muito tempo, talvez porque devam ter tomado conhecimento de que se tratava do irmão do governador.
Era um cinéfilo e não perdia a estreia dos filmes exibidos no Cine Rex, que ficava em frente à sede do Cabo Branco. Conta José Mário Espínola que nos intervalos das matinês, às vezes surpreendia ao cantar alto, boleros como La Barca, proporcionando um espetáculo à parte. Gostava de línguas, tendo sido um dos primeiros alunos da Escola de Cultura Inglesa da nossa Capital, daí porque nesses shows no cine Rex, enquanto aguardava o reinício do filme, cantava músicas estrangeiras na versão original. A sua veia artística apresentava talento para as artes plásticas.
E assim viveu até a primeira década deste milênio. Nos últimos anos de vida estava sofrendo de mal de Parkinson e faleceu de embolia pulmonar. Foi, sem dúvida, um personagem muito conhecido e tido como primeiro hippie paraibano. Não tinha medo de ser diferente.
Rui Leitão